Com a palavra o paraninfo

Professor doutor Mário Braga de Abreu.  Tema: Ensino Universitário e Progresso Técnico (I)

?…..A solenidade de formatura é uma festa de alegria e de paz, com uma assistência multiforme e psicologicamente não preparada para ouvir discorrer sobre idéias e fatos não condizentes com a natural momentânea leveza de cada um.

Mas a nossa participação na festa obriga-nos a fazer o discurso, e este haverá, forçosamente, de ter um tema central e de vos roubar tempo. O tempo vos asseguramos que será breve, dentro duma compatível tolerância, para vos dar, pelo menos, este prazer.

Pessoalmente, estamos naquela época da vida, que se denomina de maturidade, porque o homem já conformou sua personalidade, colheu os frutos da sua existência, modelou sua vida profissional, num quarto de século, criou experiências dos problemas humanos, participou na solução dos problemas, influenciou o seu âmbito de ação, viu viver o mundo em seu derredor, e sentiu as vibrações da civilização cristã.

Durante este período de 25 anos, a quem Deus tenha dado olhos, não só para olhar, mas para ver, conservado a vibração da alma para sentir, auxiliado a formação da inteligência, pelo raciocínio e pelo juízo, para aprender, por certo lhe terá feito acreditar num otimismo realístico, cristão, que nada tem de pessimismo, e não o deixará ver tudo colorido, não se sentirá confortado, e não pressentirá, infelizmente, nas relações humanas, o alto ideal de solidariedade.

Vede o dilema, falar-vos de fantasias, que nem mais aos poetas é permissível, ou de realidades, apesar de tristes e inoportunas.

Certamente não haveríeis de esperar de outro modo, porque a hora da vida de todos nós é de analisar os problemas humanos e sociais, não se deixar submergir no negativismo e na inércia, não permitir a influência dominante da falta de dignidade e de moral, não julgar inútil a reação contra todas as formas de abuso, não permanecer dominado pela generalização do aproveitamento material imediato, como finalidades única e última, e não esquecer os deveres de patriotismo.

Nós, os profissionais extritos, que sentimos as agruras e as dificuldades da profissão, vivemos seus percalsos, vibramos toda vida pelo ideal do aperfeiçoamento, raramente nos sentimos escutados, quando falamos, e nunca lidos, quando escrevemos.

Não podíamos deixar escapar esta oportunidade, para analisar, em termos de bosquejo, um dos aspectos de um dos nossos problemas fundamentais de cultura, que é profissional e que é social.

Sem nenhuma dúvida, uma Nação vale pelo padrão cultural de seus técnicos, abrangendo todas as múltiplas atividades humanas, pois interdependem umas das outras, e o progresso só é possível pela existência de um nível geral de compreensão e elevação. Na disparidade de civilizações materiais que o Brasil apresenta, em seu conjunto, sem haver um entrelaçamento necessário de formações culturais, e colocadas em posições de adiantamento material muito diferentes, torna-se a instrução técnica aperfeiçoada difícil e até mesmo impossível. Esta enorme diferenciação é compreensível, no plano de desenvolvimento material, pois regiões existem, é lógico, que tem uma produtividade natural e fácil, e outras que oferecem menos êxito e maiores dificuldades, por seus fatores geográficos e mesológicos. Porém, não se compreende, não é justo, que os elementos de cultura, não sejam igualados e acessíveis em determinadas regiões, a todos que se inclinam ao estudo, para que se possibilitem, pelo preparo técnico, as realizações práticas, e os núcleos de instrução se equilibrem em instalações.

O Brasil será dos únicos, dentre os países civilizados, que não cogitou, em seu longo período de formação, da organização do seu ensino universitário, permanecendo este, até há poucos anos, sem orientação definida, capaz, no decurso do tempo, de despertar vocações na pesquisa pura, assenhorar conhecimentos nos campos da aplicação prática, e estabelecer doutrinas de norteamento.

Não exerceu influência no povo, e os governos não compreendiam o reflexo de sua formação e organização, no funcionamento competente e eficiente da administração pública. Também não se supôs necessário e indispensável, como devera ser, uma organização hospitalar conectada ao ensino médico, aquela se fazendo mais livre ainda, sem os mínimos requisitos elementares, entregues aos seus próprios elementos e inclinações momentâneas. Ali está uma das razoes maiores da produtividade diminuta, o desconhecimento de nós próprios, o material desperdiçado, o não aproveitamento real de nossas possibilidades e o pouco incentivo para as realizações modernizadas e concretas, dificultadas sempre, por empecilhos, que malbaratam energias, dispensam vontades e impedem, por vezes, trabalho útil.

Esta conjunção escola e hospital, e das bibliotecas organizadas, se nos afiguram primaciais e essenciais, porque sem ela muito difícil era antigamente, e impossível é atualmente o estudo e a pesquisa documentada e atualizada, com recursos que não sejam institucionais.

O laboratório, o hospital e a biblioteca, são os nossos campos de atividade e de trabalho realmente produtivo, e da excelência dessas organizações depende, em boa parte, a qualidade da obra executada. O esforço individual, indispensável ao conjunto, seguindo isolado se dispersa e não consegue o fim colimado, pela complexidade dos problemas que exigem atenção mais particularizada e tirocínio mais especializado. O nosso ensino de Medicina não incorporado e alheado de um ensino universitário, não criou visão conjunta de objetivos, nem formulou ideais humanos e nacionais? (prossegue)

Ary de Christan – Membro Fundador da Academia – Paranaense de Medicina

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