A polícia trabalha com a hipótese de que havia um ou mais "traidores" entre os colonos assistidos pela missionária americana Dorothy Mae Stang, assassinada no último dia 12 com seis tiros a queima-roupa durante visita ao Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança. O quebra-cabeça para a elucidação do crime está sendo aos poucos montado, mas alguns pontos permanecem obscuros. "É como se a freira tivesse sido leva para o sacrifício e entregue de bandeja por um Judas aos matadores, que tiveram tempo para executar o crime e fugir tranqüilamente", presume o delegado Waldir Freire, da Polícia Civil do Pará.
Marcada para morrer e reiterada vezes ameaçadas, a freira foi para o assentamento no dia 11 para uma série de reuniões com as comunidades de dois PDSs assistidos pela Pastoral Religiosa que ela dirigia. Como todo assentamento, o PDS Esperança tem um grupo que trabalha na segurança. A polícia quer entender por que os agricultores a deixaram desprotegida durante um bom espaço de tempo na manhã do crime, quando tinham plena consciência do risco de morte da sua líder. Busca entender também, como, justamente nesse ato, os matadores se aproximaram dela com tranqüilidade e fizeram os disparos com precisa noção do tempo que dispunham para realizar o crime.
Americana naturalizada brasileira, irmã Dorothy tinha 73 anos de idade atuava no Brasil desde 1966, sempre ligada a movimento populares da esquerda católica. O primeiro tiro, na cabeça, disparado quando ela proferia palavras da Bíblia para tentar dissuadir os assassinos seria suficiente, mas eles continuaram atirando. Foram ao todo seis disparos de revólver 38 e pistola 765. "Eles mataram com raiva, o que faz supor que mesmo os matadores fossem profissionais, o serviço não foi profissional no sentido clássico", presume o delegado Mário Sérgio Nery, da Polícia Federal.
A única certeza da polícia é que a morte da religiosa interessava a muita gente com interesses econômicos contrariados pela ação pastoral que ela desenvolvia, o que pode ampliar o número de suspeitos. Até agora, quatro suspeitos estão com prisão preventiva decretada: os pistoleiros Rayfran das Neves Sales, vulgo Fogoió; Eduardor, ainda não qualificado; o capataz Amair dos Santos, o Tato, e o suposto mandante do crime, o grileiro Vitalmiro de Moura Bastos. Outros fazendeiros e grileiros poderão ser indiciados. Quando a notícia do assassinato se espalhou pela região, houve queima de fogos e festas regadas a cerveja em fazendas e nos arredores de Anapu.
O governo federal montou uma operação de guerra na selva para capturar os quatro suspeitos do assassinato da religiosa, que teve repercussão mundial. Agências de notícias do mundo inteiro estão em Anapu fazendo a cobertura do crime. Participam da operação as Forças Armadas e as polícias Federal, Rodoviária, Civil e Militar do Pará. O Exército mobilizou 3 mil soldados para dar suporte à ação policial e ajudar o governo a controlar a onda de violência que se espalha na chamada Terra do Meio, do Pará. As tropas militares também participarão de uma operação de desarmamento geral na região, de expulsão de grileiros, e de combate ao desmatamento ilegal. A presença militar deverá ter longa duração, segundo informou o general Jairo César Nass, comandante da 23ª Brigada Infantaria de Selva.
Concebidos pela irmã Dorothy, os PDSs foram incorporados pelo Programa Nacional da Reforma Agrária porque contemplam os objetivos preservacionistas do governo em relação aos assentamentos na região amazônica. Porém, o trabalho socialista que freira adicionou ao projeto colide de frente com os interesses econômicos dos proprietários de terra e madeireiros da região, acostumados a expulsar pequenos agricultores para expandir seus domínios e a um modo de exploração dos recursos naturais baseado na política da terra arrasada. Esse modelo consiste em extrair primeiro a madeira de valor e depois devastar a mata para criação de gado ou produção de monoculturas. Quando o solo se torna imprestável, em vez de recuperá-lo, o que demanda dinheiro, o grileiro parte para a ocupação de novas áreas inexploradas da selva e repete o ciclo de exploração predatória, em consórcio com fazendeiros e madeireiros. Os colonos encontrados no caminho são expulsos ou mortos.
Segundo a polícia, o grileiro Vitalmiro é um dos que fizeram fortuna com essa prática. Os PDSs da irmã Dorothy fugiam a essa lógica e disseminavam entre os colonos um modo de produção baseado na atividade econômica com preservação ambiental. "Nos PDSs, culturas permanentes, como cacau e pimenta são consorciados com essências da selva, como mogno, cumaru e castanha do Pará", explica o técnico agrícola Geraldo Magela de Almeida, que trabalhava com a religiosa há 15 anos. Ela queria também verticalizar a produção, mediante a instalação de microindústrias de beneficiamento de produtos típicos , como o cupuaçu, banana e açaí. "Tudo isso contrariava os interesses capitalistas dos grandes proprietários, muitos deles detentores de documentação falsa das propriedades", explicou Magela.
A retirada intensa de madeira devastou milhões de hectares de floresta na região do Meio que já está ligada ao chamado Arco do Desmatamento, uma faixa de destruição ambiental que corta a Amazônia de leste a oeste, passando pelo sul do Pará. Em Anapu e Pacajá, o ritmo de extração é alucinante. São retirados cerca de 5 mil metros cúbicos de madeira de lei a cada mês. Isso corresponde a 2,5 mil árvores a menos por mês na floresta.
A Associação de Madeireiros de Anapu e Pacajá (AMAPA) garante que todo o estoque de árvores é reposto e se não fosse a ação de grileiros, fazendeiros e exploradores clandestinos, o meio ambiente estaria preservado. "Damos 1.200 empregos diretos e movimentamos mais de R$ 8 milhões na economia da região por mês, com o mínimo de dano ambiental. Temos compromisso com o desenvolvimento sustentável. O governo não pode nos nivelar com predadores que atuam na região", disse Hidelfonso de Abreu Araújo, vice-presidente da Amapá.
Araújo apoia a operação do governo para combater o crime organizado e violência na região e disse que a entidade vinha se entendendo com a irmã Dorothy para a qual estava doando parte da produção do seu viveiro de mudas com o objetivo de reflorestar os PDSs.