Este ano o governo já divulgou, em diversas ocasiões, a liberação de verbas para a recuperação de estradas federais em vários estados. Num desses anúncios, chegou a informar que o montante total dos investimentos nas obras alcançaria algo em torno de dois bilhões de reais – pouco, a propósito. No entanto, hoje, quando nos aproximamos dos últimos quatro meses do ano, a realidade continua muito distante do discurso.
O fato é que, em vários estados, a reclamação é uníssona com relação às verbas ainda não liberadas para a recuperação das estradas. E mais! Há estados, como Pernambuco, em que a queixa remonta à falta de pagamento de obras contratadas antes dos anúncios de liberação de novas verbas, feitos no primeiro semestre deste ano pelo governo federal. Para não centrar o problema somente na esfera da União, há também estados, como São Paulo, que interromperam sem qualquer justificativa o pagamento de empresas que realizam obras em estradas sob sua jurisdição.
Essa dívida dos governos com a iniciativa privada está empurrando várias empresas para o abismo. Obrigadas a recolher impostos antecipadamente para não ter restrições na execução de serviços públicos, estão ameaçadas agora de sequer ter recursos para manter em dia seus tributos. Como conseqüência, isso as impedirá de participar de novos processos licitatórios, criando um quadro provável de fechamento de portas e demissão em massa de funcionários. Quem sabe a solução para evitar esse caos não seria a isenção de impostos para essas empresas em troca do abatimento da dívida do estado?
De qualquer forma, a falta de recursos na área está deixando as estradas numa situação caótica. Sem exageros, na malha rodoviária brasileira é iminente o colapso. Assim, é urgente encontrar soluções. As estradas já estavam em péssimas condições. Agora, a situação agrava-se, pois a retomada do crescimento econômico deverá provocar aumento gradativo do fluxo de veículos nas estradas. Além disso, aproximam-se o período das chuvas e as férias de final de ano, tudo conspirando a favor do crescimento do tráfego. O País não pode parar!
Por outro lado, há um problema grave com o qual novamente a sociedade irá deparar-se, caso sejam colocados em prática os planos do governo federal de reconstrução de estradas. Nestes, é nítido o descuido com a qualidade dos serviços contratados para a realização das obras, desde o trabalho de recapeamento até a implementação da sinalização viária.
A realidade é que, historicamente, essas obras, com necessidade de serem feitas a toque de caixa, com recursos limitados, costumam não privilegiar a qualidade na sua contratação e implementação. Isto é um agravante, pois a curto prazo os usuários da malha viária deparam-se rapidamente com os mesmos problemas de antes. A obra malfeita dura pouco, significa desperdício do dinheiro público e também prejudica a população. Tanto mais grave é o problema quando estão em jogo, como nas estradas, a segurança e a vida das pessoas.
O Brasil é um país que tem crescido muito no âmbito da tecnologia, incluindo a área de estradas. Algumas empresas sérias e preocupadas com qualidade e inovação nesse setor, desde o pavimento até a sinalização viária vertical e horizontal, freqüentemente têm participação restrita nessas obras públicas conduzidas na correria. Essas organizações, pautadas pela qualidade e responsabilidade na produção e implementação dos materiais, costumam, muitas vezes, trabalhar naquilo em que têm certeza da realização adequada do serviço do que colocar o nome em risco numa empreitada na qual a qualidade não é uma prioridade.
Assim, verifica-se que há problemas graves na recuperação do sistema rodoviário nacional: falta de pagamento de serviços antes contratados, atraso na liberação de verbas de projetos recentes e riscos de não se fazer adequadamente a reabilitação das estradas. Uma situação próxima de levar os usuários da malha rodoviária a estradas sem começo, meio e fim.
Áurea Rangel é química, mestra em engenharia de materiais e diretora-executiva da Hot Line.