Clonagem terapêutica: uma polêmica em curso

Em todo o mundo, as discussões sobre a clonagem de embriões para fins terapêuticos continuam e as posições não são convergentes. Na Inglaterra, um dos países mais conservadores moralmente, a Câmara dos Lordes adotou caminho oposto ao dos Estados Unidos, aprovando o direito dos cientistas do Reino Unido produzirem embriões humanos para experimentos científicos. O Brasil, por sua vez, também não tem se mantido alheio à movimentação internacional. No Senado, os parlamentares continuam debatendo a reformulação da Lei da Biossegurança (8974/1995). Os nossos deputados e senadores precisam entender a importância do estudo e do potencial dessas células-tronco (aquelas que ainda não possuem diferenciação e podem se transformar em qualquer outra célula do corpo, como a do fígado, coração ou nervosa, além de formar tecidos) para que a clonagem terapêutica receba tratamento legal.

É importante estabelecer uma distinção entre clonagem reprodutiva humana e terapêutica. Utilizar essa técnica para produzir um ser humano completo é inaceitável em todos os sentidos. Além disso, os resultados apresentados até esse momento carecem de eficiência e não há conhecimento científico suficiente para evitar que embriões clonados sejam portadores de anomalias e malformações. E, mesmo que um dia a técnica da clonagem humana venha a ser dominada, a possibilidade de produzir óvulos e espermatozóides em laboratório – uma das tendências das pesquisas em curso nos principais centros mundiais de reprodução humana – poderá torná-la desnecessária.

Já a vertente terapêutica da clonagem envolve outras questões: está ligada à possibilidade de se liberar pesquisas com células-tronco que, futuramente, poderão abrir caminhos para o tratamento de doenças como Alzheimer, Parkinson e câncer. Sob essa ótica, posições como a do presidente Bush e de alguns parlamentares brasileiros soam excessivamente radicais, em especial, neste momento em que a ciência começa a se desenvolver nessa área. Como prever os prejuízos que a interrupção desses estudos poderá causar futuramente à medicina e à humanidade? Como calcular quantas vidas poderão deixar de ser salvas?

O transplante de medula óssea – utilizado no tratamento de algumas formas de câncer – é o exemplo mais comum dessa nova modalidade de transplante. As células-tronco são retiradas da medula óssea ou do sangue periférico do cordão umbilical de doadores ou do próprio paciente. Preferencialmente, o doador deve ser compatível com o receptor. A dificuldade de se encontrar pessoas compatíveis e, mais ainda, de encontrar doadores dispostos a saírem de casa por livre e espontânea vontade causa um problema gravíssimo: muitos pacientes passam anos na fila, à espera de um transplante. Para se ter uma idéia, o Registro Nacional de Doadores Voluntários de medula óssea tem cerca de 16 mil pessoas inscritas. Seriam necessários cerca de 50 mil doadores, no mínimo, para que este banco funcionasse de maneira qualificada.

Esse seria apenas um dos benefícios do uso dessas células. Um levantamento prévio feito por uma associação norte-americana mostrou que, apenas nos Estados Unidos, mais de 120 milhões de pessoas – entre cardíacos, diabéticos e hepáticos – podem, em princípio, se beneficiar com as pesquisas utilizando células-tronco embrionárias. A sociedade, à medida que recebe esclarecimentos, vem recebendo bem a idéia da clonagem para fins médicos. Em 1999, 73 cientistas renomados internacionalmente lançaram um documento de apoio total às pesquisas com células-tronco.

Apesar de toda polêmica envolvendo a clonagem terapêutica, na verdade, essa técnica até o momento não passa de uma possibilidade promissora. Para se viabilizar como alternativa médica, ainda serão necessários muitos estudos e desenvolvimentos.

Roger Abdelmassih

é médico especialista em reprodução humana e autor do livro Tudo por um Bebê. É integrante da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva e Sociedade Européia de Reprodução Humana e Embriologia.

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