Um estudo desenvolvido na África do Sul, com 3.274 homens em idade entre 18 e 24 anos, revelou que a circuncisão reduz, consideravelmente, os riscos de infecção por HIV.
O efeito de proteção da cirurgia, que retira a pele que envolve a cabeça do pênis, foi de 65%, um dado promissor, que pode indicar o surgimento de um método complementar de proteção. Para que isso ocorra, porém, é necessário ainda que testes adicionais aplicados em outros grupos e em regiões e contextos culturais diversos confirmem os resultados encontrados.
A pesquisa, apresentada hoje (26) durante a 3ª Conferência em Patogênese e Tratamento do HIV, gerou um intenso debate entre os pesquisadores, que se mostraram animados com o resultado, mas cautelosos, destacando a necessidade de outros estudos e alertando para eventuais problemas que possam surgir com o novo método, como o relaxamento no uso de outras formas de prevenção, entre eles, o preservativo.
Realizado entre 2002 e 2005, o estudo, o primeiro já realizado no mundo, recrutou os voluntários em uma área urbana da província de Gauteng, uma das menores províncias da África do Sul onde a taxa de prevalência por HIV é alta, atingindo 32% da população. Um grupo foi circuncidado e outro, de controle, permaneceu sem a cirurgia.
Em três ocasiões, durante 21 meses, os participantes, todos sexualmente ativos e heterossexuais, passaram por testes para HIV, responderam questionários sobre o comportamento sexual mantido e foram aconselhados sobre maneiras de evitar doenças sexualmente transmissíveis, em particular, a Aids.
Ao final da pesquisa, detectou-se infecção em 18 pessoas circuncidadas, contra 51 que não passaram pela circuncisão. "Descobrimos que em cada grupo de 10 circuncidados, entre seis e sete não haviam sido contaminados. O efeito de proteção foi tão grande que a DSMB (Comissão de Monitoramento e Segurança de Dados) recomendou a suspensão do estudo, para ofertar a circuncisão para o outro grupo, pois seria antiético não fazê-lo", destacou um dos autores do estudo, Bertran Auvert, financiada pela Agência Nacional de Pesquisa sobre AIDS da França (ANRS).
Pesquisa prévia feita por ele revelou que 70% dos entrevistados aceitariam passar pela circuncisão caso ela se mostrasse um método eficaz de reduzir os riscos de contaminação por HIV.
A proteção promovida pela circuncisão pode ser causada por vários fatores, segundo Auvert. Um deles seria a redução da superfície do pênis, que ocorre com a retirada da pele do pênis (prepúcio).
"Além disso, o prepúcio tem células que possuem múltiplos receptores para o HIV. E há também o fato de, após o ato sexual, o sêmen poder permanecer no espaço entre a glande (cabeça do pênis)", explicou o pesquisador, destacando que, dos 1.572 pacientes circuncidados, nenhum apresentou danos permanentes após a cirurgia, realizada por profissionais. "Registramos 60 eventos adversos, como sangramento e dor".
Presidente da Sociedade Internacional de Aids, que promove a conferência, Helene Gayle chamou atenção para o fato de que o estudo não é suficiente para que a circuncisão seja adotado como método de proteção adicional contra a Aids. "Para que seja usado em larga escala, precisamos confirmar os resultados encontrados em outros testes", observou. Atualmente, dois estudos que avaliam os benefícios da circuncisão estão em andamento, em Uganda e no Quênia, com grupos etários mais abrangentes, um deles, na faixa de 15 a 49 anos. Ambos são financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.
Além de concordar com Gayle, o diretor de Tratamento e Prevenção de Aids da Organização Mundial de Saúde (OMS), Charles Gilks, alertou para a necessidade de um rigoroso acompanhamento caso seja a circuncisão seja confirmada como forma de redução de riscos.
"Precisamos de um grande apoio técnico, para que o procedimento seja realizado por profissionais. Além disso, é fundamental o aconselhamento, para que as pessoas não deixem de usar outros métodos de prevenção", disse, demonstrando também preocupação com a população do sexo feminino. "O homem, ao se ver menos vulnerável, pode relaxar com o uso do preservativo. Com isso, as mulheres podem ficar ainda mais expostas ao vírus".
Antiretrovirais como prevenção e tratamento Diretor do Centro de Pesquisa para Aids da África para Aids da África do Sul e professor de Epidemiologia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Salim Abdool Karim apresentou hoje na conferência, um estudo no qual diz que existem "substanciais evidências" sobre o potencial impacto do tratamento com anti-retrovirais sobre a prevenção contra o HIV.
Segundo o pesquisador, isso pode ocorrer em níveis biológicos e comportamentais. No primeiro caso, por meio da redução da carga viral dos fluidos corporais (sangue, sêmen, muco vaginal), situação que torna a pessoa menos suscetível à infecção. Além disso, a oferta do tratamento pode, por exemplo, reduzir a resistência em torno do teste para detecção do HIV.
"A disponibilidade do tratamento com anti-retrovirais faz com que as pessoas se sintam mais encorajadas a realizar os testes para detecção do vírus e procurar aconselhamento", observou, acrescentando que o acesso aos anti-retrovirais pode ainda influir no sistema de saúde, ajudando no aperfeiçoamento do serviço.