São Paulo (AE) – Profissão? Mexo com arte, diz Renato Magalhães Gouvêa, como se a trajetória de 50 anos dedicados a quadros, esculturas e antiguidades fosse insuficiente para ser reconhecido como um dos mais completos especialistas em artes plásticas do País. A definição parece coisa de criança. De fato, o mote foi a resposta do filho caçula, Paulo, quando lhe perguntaram na escola qual a ocupação do pai, isso há quase três décadas. "Gostei tanto que adotei, uso até em ficha de hotel… afinal, que outra profissão poderia indicar?", questiona Renato, referindo-se às demais atividades diárias, entre elas leiloeiro, marchand e galerista. 

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A imersão de uma vida no mundo das artes plásticas está à mostra na casa cinqüentenária projetada pelo arquiteto Carlos Lemos, onde Renato vive com a mulher, Anne Liese, retratada, a pedido do marido, pelo pintor Flávio de Carvalho em 1965 (o quadro, exposto na Bienal de São Paulo, é avaliado em R$ 600 mil). No hall principal, a tela ocupa espaço ao lado de trabalhos de Tarsila do Amaral, Augusto Rodrigues, Ismael Nery, Vicente do Rego Monteiro e Bruno Giorgi (a respeito desse último, suas esculturas em mármore são vendidas a partir de R$ 30 mil em galerias). Debaixo deste teto, a coleção de arte contemporânea é digna de museu: cerca de 1.800 peças.

A distribuição do tesouro pela casa reflete o espírito irrequieto do proprietário: as peças são trocadas de lugar com regularidade por ele e pela mulher. De tal forma que, ao deparar com os bonecos de maracatu do ceramista José Caboclo, sobre um móvel no hall, Renato se surpreende: "Não estavam aqui, mas o resultado ficou ótimo", diz.

As dimensões amplas dos cômodos do térreo acomodam itens caros ao colecionador. À esquerda da porta principal fica o escritório, que tem ao centro uma escrivaninha inglesa (herança de família). No canto, há um gaveteiro que, aberto, revela preciosidades como a coleção de pince-nez e outra, de relógios. E como começa o ato de colecionar? "É pelo segundo item…", diz Renato. Ele esclarece: "Encontro uma segunda peça importante, lembro que tenho a primeira… e então vira coleção". Hábito que faz destacar uma de suas principais habilidades: identificar peças. No escritório, Renato chega a receber três pedidos por dia para catalogar supostas relíquias.

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Diante da entrada, uma escada conduz ao living em dois ambientes. O jarro art nouveau de cerâmica é a primeira atração. O piso original de madeira canela (R$ 110 o metro quadrado instalado, na Danadel) serve de moldura aos objetos e à decoração. Sobre a mesa de centro, uma Nossa Senhora da Paz esculpida em mármore por Galileo Emendabili (no mercado paulistano, a cotação média é de R$ 40 mil), artista cuja obra mais famosa é o obelisco do Parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. Na parede em frente, a paisagem carioca do aquarelista belga Georges Wambach.

Muitas das telas que tem em casa, Renato adquiriu nos anos de atuação como galerista. É o caso de Meninos de Praia no Carnaval de Olinda, pintada pelo pernambucano José Cláudio (quadros desse artista têm preços a partir de R$ 15 mil, na Renato Magalhães Gouvêa Escritório de Arte), que decora uma das paredes da sala de jantar – onde também se encontram retratos do século 19 e cadeiras de jacarandá do francês Béranger. Para o colecionador rigoroso, cada peça tem um valor particular – Renato sente-se incapaz de vender seja o que for do acervo pessoal.

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Lustre francês é a peça dos sonhos

Ele começou cedo – e por conta própria – a atuar no mercado das artes. Foi o primeiro da família. Jovem, seguiu os passos do pai, o promotor público Eduardo Magalhães Gouvêa, e cursou Direito. Foi como administrador da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) que fez o primeiro contato com o Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Corriam os anos 60s, quando tentou, junto com Pietro Bardi e Assis Chateaubriand, firmar um convênio entre o museu e a fundação para a construção de uma sede própria do Masp, no interior da própria Faap. A idéia não deu certo. Renato começou então a comprar as primeiras obras de arte – e que iriam originar a criação de um antiquário, o Mirante das Artes, na década de 80. A amizade com Bardi, falecido em 1992, é uma de suas recordações fortes. "Muita coisa aqui traz lembranças dele".

A edícula, que chama de depósito, é outra fonte de lembranças – e revelações. Lá está, por exemplo, o troféu do Prêmio Saci de cinema (por sinal, obra de Brecheret) que ganhou como produtor de São Paulo S/A, filme de Luiz Sérgio Person. E, em meio à barafunda de objetos, Renato conta a história da peça de seus sonhos: um lustre francês em formato de estrela, que viu pela primeira vez na casa de um decorador carioca e, depois, em loja da Oscar Freire. "Estou atrás desta peça há 10 anos…", confessa.

Para o atual diretor de exposições do Masp, paulistano de 76 anos, parar é algo que não passa pela cabeça. Um novo escritório de arte é projeto a ser concretizado ainda no primeiro semestre de 2006. O motivo? Reforçar o gosto genuíno pelas artes, e não apenas o interesse pelo valor de uma peça. "Passei quatro anos observando o mercado… agora, estou pronto para voltar", garante. (AE)