Choque de civilidade

A solenidade de posse da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, altas autoridades da República e dirigentes de instituições não menos importantes da sociedade organizada, transformou-se numa ocasião em que os ânimos e as emoções represados, embora o visível esforço para segurá-los no limite da civilidade, vieram à tona.

O procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, que há poucos dias surpreendera o País com a notícia da entrega ao STF da denúncia coletiva de quarenta acusados de envolvimento na organização criminosa que operacionalizou o mensalão e o caixa 2 (outros nomes virão), insistiu na rápida conclusão das investigações agora a cargo do Poder Judiciário. Trata-se, pois, de uma questão da mais alta relevância para a vida institucional do País, sobre a qual a sociedade deverá manter severa vigilância.

Não foi diferente o tom do discurso proferido pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o paranaense Roberto Busato, no qual além de fazer alusão às parcelas de responsabilidade do Executivo e Legislativo na morosidade da ação do Poder Judiciário – uma constatação cansativa – reivindicou em nome da instituição que preside e, por extensão, da comunhão nacional, uma resposta célere e contundente das autoridades.

Para o presidente da OAB, as instituições não poderão ser manchadas pelos rumores de omissão ou leniência em situações da gravidade da atual crise política, reputando na absolvição, pelo plenário, dos acusados pela CPMI dos Correios e Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, o passo imediatamente anterior à eliminação do que resta de credibilidade à Câmara dos Deputados. Busato se referiu ao direito legítimo que a sociedade se reserva de aumentar a provisão de desprezo a uma instituição inscrita na história da República pelo acervo de realizações que a equiparam aos mais eficientes parlamentos do mundo.

A fala de Busato mereceu o reparo imediato do deputado paulista Arlindo Chinaglia, líder do PT na Câmara, ao enfatizar que a absolvição dos deputados condenados à perda do mandato pelo Conselho de Ética também deve ser enquadrada sob o prisma do exercício da democracia. Como as demais entidades, entre as quais nominou a Ordem dos Advogados do Brasil, Chinaglia asseverou que o Congresso Nacional tem suas próprias regras e deve ser respeitado. Raciocínio casuísta de difícil absorção pela sociedade, apesar da diligência do líder petista, diante do farto volume de comprovações da desfaçatez e sensação de impunidade com que agiram os mentores do procedimento criminoso e todos os beneficiários do dinheiro bombeado pelo valerioduto.

Por fim, há a lamentar que fato nobilíssimo no quotidiano das instituições, a posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez uma mulher, reconhecidamente uma das mais brilhantes do País, tenha se tornado um momento infausto pela evocação dos entulhos que atravancam a caminhada democrática.

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