“O Estado que pune é o mesmo que deve executar a pena”. Qualquer estudante de Direito recebe essas lições nos primeiros dias de aula na faculdade, quase sempre no âmbito da disciplina Introdução ao Estudo do Direito. De conformidade com a nossa Constituição Federal, as autoridades públicas têm poderes para exercer o poder punitivo no âmbito jurisdicional e administrativo. Assim, pois, quando alguém comete um fato descrito como crime, cabe ao Poder Judiciário através do seu órgão competente – estabelecer a punição correspondente (privação de liberdade, restrição de direitos ou multa), obedecidos uma série de princípios constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Se um servidor público, por exemplo, comete uma indisciplina funcional, por outro lado, será a autoridade administrativa correspondente quem deve fixar a punição necessária no sentido de reprimir a conduta do agente, eventualmente oposta ao interesse público. A punção, portanto, existe na esfera penal e administrativa.

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Antes da vigência da Lei Federal 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal), a execução da pena no Brasil era eminentemente administrativa – como ainda hoje ocorre nos Estados Unidos da América. Ao juiz ou tribunal competia estabelecer a pena correspondente, em caso de condenação, mas o Poder Judiciário não acompanhava a execução da pena. Proferida a sentença penal condenatória, pelo juiz ou tribunal, cabia ao Poder Executivo dos estados realizarem, com exclusividade, a execução da sanção penal. Até 1984, portanto, o Poder Executivo administrava os presídios (como ainda hoje acontece), mas, também, era o único responsável pela sua execução.

Com a Lei 7.210/84 a execução da pena no Brasil tornou-se mista, uma vez criados os atuais juízes de Execução Penal – como representantes do Poder Judiciário – além de outros órgãos federais e estaduais (Ministério Público, Conselhos Penitenciários, entre outros), mantendo-se, todavia, a administração dos presídios sob o comando do Poder Executivo, ora pela União (presídios federais), ora pelos estados (presídios estaduais). A Lei de Execução Penal, com efeito, em boa hora, resolveu criar novos órgãos de participação na execução da pena, exigindo de todos, indistintamente, uma integração profunda entre eles, absolutamente necessária para efetivar a sentença penal condenatória e para proporcionar a integração social do condenado, as duas finalidades da execução penal.

Diz-se, por isso, que o Estado é o único detentor do poder de executar a pena, daí porque sua delegação ao particular só pode incidir em situações restritas e excepcionais.Ao tempo em que ele pode entregar à iniciativa privada a alimentação, a saúde e a educação no âmbito das prisões, exemplificando, a Constituição não permite que o faça em relação à sua segurança interna, porque somente agentes do Estado podem realizá-la (art. 144, CF/88). Como o detento brasileiro é sujeito de direitos e de obrigações, dentro dos presídios deve imperar a disciplina prisional, até como fator de reintegração social do recluso, e somente o Estado pode investigar e sancionar, administrativamente, um preso que venha a cometer uma falta disciplinar.

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A existência de “chaveiros” nos presídios de Pernambuco, administrando celas e pavilhões, além de ser uma vergonha nacional, servindo de chacotas para o resto do país, representa uma ilegalidade absurda e insensata, situação que embora deveras antiga há de ser coibida. Se o Estado não pode entregar ao particular o postulado de assegurar a segurança interna nos nossos presídios, pior ainda é delegar essa incumbência ao próprio preso, seja ele provisório ou já condenado, como infelizmente vem acontecendo. O remédio jurídico capaz de definitivamente abolir esse tipo de ilegalidade em nossas prisões é a ação civil pública, que pode ser intentada perante o juiz competente, ora pelo Ministério Público, ora pela Defensoria Pública. É engano imaginar, por fim, que o juiz de Execução Penal possa fazê-lo mediante um simples ato normativo. Somente uma sentença judicial ou uma decisão política tolherá tamanha atrocidade ao interesse público.

Adeildo Nunes é juiz de Execução Penal em Pernambuco, mestre em Direito Penitenciário e professor da Faculdade Maurício de Nassau (Recife).

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