São Paulo (AE) – Na tensão da sala de emergência, dividido entre dois casos graves, o médico decide atender o paciente que grita de dor. Passa pouco tempo e alguém avisa que o outro doente, que sofria em silêncio, acaba de morrer. "Prioridade errada", constata o médico, paradoxalmente com a consciência tranqüila.
A calma se justifica. A cena ocorreu num centro de simulação médica de Israel, onde profissionais de saúde de verdade lidam com pacientes de mentira – manequins, atores, computadores e até robôs. É o aprender na prática, mas sem pôr a vida humana em risco, um conceito que começa a se espalhar pelo mundo e a ser ampliado no Brasil.
O Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, tem seu Centro de Treinamento e Simulação em Emergências há três anos. O Hospital Albert Einstein, também na capital paulista, acaba de fechar uma parceria com o Centro Médico Sheba, de Israel, onde funciona o maior centro de simulação médica do mundo, para construir seu próprio espaço de treinamento, que deve ficar pronto até o fim do ano que vem.
Estima-se que, a cada ano, os médicos dos Estados Unidos matem 100 mil pacientes por causa de erros, na maioria facilmente evitáveis, como uma droga ou uma dose errada. Em Israel, um país bem menor, ocorrem anualmente 2 mil mortes por erros médicos, contra 600 por acidentes de carro. "São números difíceis de digerir. É uma epidemia no mundo inteiro", afirma o pediatra israelense Amitai Ziv, diretor do Centro de Simulação Médica do Centro Médico Sheba.
Existem no mundo diversos centros de simulação, mas na maioria muito específicos, direcionados a cardiologistas ou anestesistas, por exemplo. No hospital de Israel, os treinamentos são voltados para praticamente todas as especialidades médicas, para enfermeiras, para farmacêuticos e até para motoristas de ambulâncias. Diversos ambientes podem ser criados, desde um consultório para um atendimento individual até a sala de emergência com vítimas de uma guerra – com direito a fumaça e sons de explosão. Se não são atores, os pacientes são robôs realistas ao extremo, com batimento cardíaco e sons abdominais, que reagem sob o comando de um controle remoto.
Nos centros de simulação, não se avalia só a técnica – se o remédio foi o correto ou se a cirurgia foi bem-sucedida. Também é analisado o lado humano, a forma como o profissional lida com o paciente. Os atores são orientados a agir de diferentes maneiras, para que o médico aprenda como reagir diante de situações delicadas, como atender alguém agressivo porque esperou tempo demais ou um pai que levou a filha ao hospital porque ele próprio a espancou.
As salas do Centro de Simulação Médica de Israel têm paredes com espelhos falsos, para que as pessoas do outro lado possam acompanhar o atendimento. Tudo é filmado. As equipes depois discutem e avaliam o próprio desempenho.
"Aprende-se mesmo é na prática. Não adianta dar uma excelente aula teórica a um médico. Na hora do stress, ele só vai lembrar aqueles procedimentos que ele já faz", diz Edison Ferreira de Paiva, do Sírio-Libanês. "Temos de nos treinar sem pôr em risco a vida do paciente", completa Carlos Moreira, do Albert Einstein.