Células embrionárias: Lei aprovada, e agora?

O Brasil é um país que notoriamente tem buscado seguir as tecnologias de ponta. Uma prova disso é ser um dos primeiros países a aprovar uma lei que aborda a manipulação de células tronco embrionárias. Em muitos países desenvolvidos, esse assunto ainda está tramitando em calorosa discussão.

Mas é preciso fazer algumas ressalvas sobre o assunto. O mais importante, segundo Dr Nelson Tatsui, hematologista, diretor da Criogênesis, e pesquisador de células tronco há muitos anos, não podemos permitir que a população se iluda com essa medida. É fundamental expor à população qual é o real potencial da célula tronco embrionária e a fragilidade das pesquisas devido à falta de normas, que ainda não foram estabelecidas.

?Hoje tem se falado em cinco anos, mas isso é um otimismo muito grande, pois benefícios reais serão obtidos em, no mínimo, dez anos? afirma Dr. Nelson Tatsui. Segundo o especialista, todos os pesquisadores de células tronco adultas já podem prever que, os problemas serão iguais ou maiores. Por exemplo, os problemas genéticos, pois ambas podem apresentar os mesmos defeitos genéticos, adultas ou embrionárias. Além disso, o comportamento da célula tronco embrionária apresenta um descontrole maior do que a célula tronco adulta, no que se refere à sua multiplicação. Então, é possível que, nas primeiras fases da pesquisa, os cientistas tenham que se preocupar muito para que o benefício não se torne um malefício tumoral, ou seja, um grupo de células sem controle de crescimento.

Outra preocupação dos pesquisadores é com relação ao posicionamento da mídia, para que se evite estabelecer uma disputa entre célula tronco adulta x célula tronco embrionária.Ambos os grupos estão sendo pesquisados para tratar a população da melhor forma possível. As pesquisas sobre as células embrionárias não podem ser feitas em detrimento às pesquisas de células adultas. Mesmo porque, os grupos que vem pesquisando as células adultas, já possuem riquíssimas informações sobre esse tipo de terapia, e, ninguém estava torcendo mais para a aprovação dessa lei. Dentre todas as pesquisas sobre células tronco humana, a célula mais estudada é a célula da medula óssea, posteriormente a célula de cordão umbilical e, a menos estudada é a embrionária. Com relação ao uso clínico, a célula que mais trata é a da medula óssea, posteriormente vem a do cordão umbilical, com as quais já foram realizados mais de 4.000 transplantes.

A vantagem teórica da célula embrionária é que, sendo a célula mais precursora, teoricamente tem capacidade de formar praticamente todos os tecidos do corpo. Mas na prática ainda há muita distância entre o que se vê nas pesquisas e a realidade. As pesquisas ainda estão na fase inicial, pois trabalhar com célula humana é uma outra realidade, que não pode ser totalmente compreendida com experiências em animais de laboratório. ?É muito diferente avaliar e tratar um paciente, muitas situações inesperadas podem ocorrer, a visão é diferente daqueles que tratam animais de laboratório? diz o Dr Nelson Tatsui quando perguntado sobre o uso imediato da célula embrionária devido às pesquisas avançadas na Biologia da USP. Entre os principais problemas que deverão ser enfrentados é quanto à compatibilidade. Teoricamente, quanto mais precursora a célula maior a probabilidade de haver compatibilidade. Mas, por ser ainda muito pouco pesquisadas, não é possível aferir os problemas de compatibilidade das células mbrionárias. Essa é uma das questões que deverão ser analisadas, aliás, uma das rincipais etapas das pesquisas: o grau de compatibilidade das células de um indivíduo em outro ou sua capacidade antigênica (rejeição). Em 1940 os transplantes de medula óssea passaram pelo mesmo problema. Teoricamente parecia possível usar a medula óssea de forma quase aleatória. Entretanto nos primeiros transplantes houve um índice de mortalidade quase catastrófico. Sem dúvida as pesquisas avançaram muito, mas os mesmos cuidados são necessários quando se fala em células embrionárias. Quanto às células do cordão umbilical e da medula óssea, estas apresentam uma grande vantagem, porque já sabemos o grau de compatibilidade permissível para tratamento clínico. Enfim, não deve haver disputa entre célula adulta e embrionária. Muito pelo contrário, pois, daqui há uns dez anos, o uso de células tronco será semelhante à escolha de antibióticos. Cada tipo de célula, adulta ou embrionária, terá uma função pré-determinada.

Outro problema que deve ser analisado é com relação à qualidade das células. A natureza, por si só, é muito seletiva. Quando uma mulher engravida, a maioria dos óvulos fecundados são perdidos por abortos naturais, devido a anomalias. Em cada 10 fecundações mais de 70% são perdidas por abortos naturais, mas a maioria desses abortos passa despercebida. Solucionar o problema da seleção natural, ou seja, mensurar a qualidade das células para pesquisas, é uma questão importante. Como selecionar uma célula que a natureza descartaria? Como garantir que os embriões congelados em clínicas de fertilização são saudáveis? Pode-se afirmar que, cerca de 70% dos embriões fecundados em laboratório podem apresentar os mesmos problemas que fariam com que a própria natureza os descartasse. Parece simples, mas a seleção de óvulos e espermatozóides, nas clínicas de fertilização, é feita visualmente, ou seja, pelo aspecto externo das células. Embora as clínicas escolham sempre os melhores embriões para aplicação, as taxas de perda ainda são muito grandes, tanto que, a implantação de embriões é feita de forma múltipla. Pois, além das falhas de nidação (fixação do embrião no útero), existem os fatores da seleção natural. Se não fosse essa seleção natural, a humanidade teria um número de anomalias muito maior, pois mesmo a natureza às vezes falha nesse processo seletivo. 

O tempo de congelamento também é um fator que pode interferir na qualidade dessas células, pois não se conhece ainda a interferência do congelamento na vitalidade celular de células embrionárias isoladas. É preciso, também, esclarecer como serão tramitadas essas células, para que não se inicie um comércio de embriões. Por isso, além da aprovação é preciso que haja uma normatização sobre essas pesquisas. De onde virão essas células? De que forma serão selecionadas? Quais serão os institutos credenciados e, quanto a isso, é bom lembrar que, além dos institutos tradicionais, institutos menores, que já estão trabalhando há anos com células adultas têm tecnologia e capacitação para pesquisar também as células embrionárias.

O processo de normatização pode levar algum tempo e os bancos de cordão umbilical podem ser um bom exemplo. A primeira lei saiu em 2000 e, de lá pra cá, a vigilância sanitária federal ainda está tramitando normas de como será feita a vigilância em bancos de cordão. Então, para normatizar essas pesquisas um tempo ainda maior será necessário. A festa da aprovação está traduzindo para a população uma falsa idéia de que daqui a pouco tempo estará sendo beneficiada clinicamente. Mas, infelizmente isso não é, ainda, uma realidade.

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