Cédula de crédito e penhora trabalhista

O significado da expressão cédula de crédito rural

A cédula de crédito rural é título civil, líquido e certo, exigível pela soma dela constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditário (art. 10 do Decreto-lei n.º 167/67). O financiamento, no caso, é concedido pelos órgãos do sistema nacional de crédito rural (art. 1.º do DL n.º 167/67).

Quatro são os tipos de cédula de crédito rural: 1) cédula rural pignoratícia, através da qual bens suscetíveis de penhor rural e de penhor mercantil são objeto de penhor cedular (art. 15 do DL 167/67); 2) cédula rural hipotecária, que pode ser integrada por bens imóveis, incorporando-se a eles as máquinas e aparelhos, instalações e construções, adquiridos ou executados como crédito, assim como quaisquer outras benfeitorias acrescidas (arts. 10 e 22 do DL 167/67); 3) Cédula rural pignoratícia e hipotecária, de que são objeto bens móveis e imóveis (art. 25 do DL 167/67); e 4) a nota de crédito rural.

Todos os bens dados em garantia desse tipo de financiamento permanecem sob o domínio e na posse imediata do emitente ou do terceiro prestante da garantia real (art. 17 do DL 167/67).

O significado da expressão cédula de crédito industrial

A cédula de crédito industrial é promessa de pagamento em dinheiro, com garantia real, cedularmente constituída (artigo 9.º do Decreto-lei n.º 413/69), tendente a assegurar o pagamento do principal, juros, comissões, pena convencional, despesas legais e convencionais (art. 54 do DL n.º 413/69).

A garantia real é constituída por bens objeto de penhor cedular, de alienação fiduciária e de hipoteca cedular (art. 19 do DL 413/69).

Os bens vinculados à cédula de crédito industrial também continuam na posse imediata e sob o domínio do executado (emitente), ou do terceiro prestante da garantia real (art. 28 do DL 413/69), exceto, entretanto, no caso de cédula de crédito industrial garantida por alienação fiduciária, em que o emitente, diferentemente, perde o domínio.

A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor (aquele que concedeu o financiamento) o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal (art. 66 da Lei n.º 4.728/65, com redação do DL 911/69).

A penhora destes títulos na Justiça do Trabalho

O Excelso Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte Judiciária de nosso País, recentemente, através de sua 2.ª Turma, deu ganho de causa ao Banco do Brasil em Recurso Extraordinário (RE 230.517) contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ficando assentado, em síntese: a) não estão sujeitos à execução os bens considerados impenhoráveis; b) são impenhoráveis os bens dados como garantia ao banco, vinculados a uma cédula de crédito industrial; c) entendimento contrário ofende o ato jurídico perfeito (art. 5.º, XXXVI, CF/88), pois o banco tem prioridade, não podendo o bem ser penhorado para saldar outras dívidas do emitente da cédula (art. 57 do Decreto-lei n.º 413/69).

Ocorre, porém, ao contrário do que se possa imaginar, que esta questão ainda está longe de ser pacífica.

A 1.ª Turma do mesmo Excelso STF, diversamente, não vislumbra discussão de matéria constitucional em casos tais, como se observa do Informativo STF 130/98:

“A discussão sobre se o crédito trabalhista autoriza ou não a penhora de bem vinculado à cédula de crédito industrial tem natureza infraconstitucional, implicando, assim, a violação indireta ou reflexa à CF, que não dá margem a recurso extraordinário. Com esse entendimento, a Turma negou provimento a agravo regimental interposto pelo Banco do Brasil S/A, em que se pretendia ver processado recurso extraordinário contra acórdão do TST – que negara o processamento de recurso de revista interposto em execução de sentença por entender que a decisão do TRT da 6.ª Região que admitiu a penhora de bem vinculado à cédula de crédito industrial não afrontou diretamente à CF -, com base na alegação de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5.º, II, e XXXVI). RE (AgRg) 230.516-PE, rel. Min. Carlos Velloso, 3.11.98”.

Persistindo, assim, divergência no STF, a interpretação que se faz, por ora, segundo os princípios que norteiam o Direito do Trabalho, é a de opção pelo julgamento que, não conferindo status constitucional à discussão, mantém íntegra decisão da mais alta Corte Trabalhista, no sentido de que o artigo 57 do Decreto-lei n.º 463/67, ao estabelecer que bens vinculados a cédula de crédito industrial não seriam penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou de terceiro prestante da garantia real, não teria estabelecido um super privilégio, admitindo, ao contrário, uma ordem de preferência, na qual surgiria, acima da consideração da propriedade e do patrimônio, na frente hierárquica de preleção, o crédito trabalhista, de índole alimentar cravada pela Constituição Federal (art. 100).

Em verdade, na Justiça do Trabalho não é absoluta nem a penhorabilidade e nem a impenhorabilidade de bem vinculado a cédula de crédito, pois, antes, para se definir entre uma e outra hipótese, é necessário identificar o preciso divisor de águas entre as várias espécies de garantia real: se não se discute acerca de penhora sobre cédula de crédito industrial constituída por bem objeto de alienação fiduciária, mas sobre cédula de crédito rural ou mesmo cédula de crédito industrial composta por bem objeto de penhor ou de hipoteca cedular, que, diferentemente daquela, permanecem sob o domínio do devedor (executado), para estes casos não existe qualquer óbice à penhora na esfera trabalhista (Decreto-lei n.º 167/67, art. 69; CLT, arts. 10 e 30; e Lei n.º 6.830/80), no exato sentido da Orientação Jurisprudencial n.º 226 da SDI I do C. TST:

“CRÉDITO TRABALHISTA. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL OU INDUSTRIAL. GARANTIDA POR PENHOR OU HIPOTECA. PENHORA. Diferentemente da cédula de crédito industrial garantida por alienação fiduciária, na cédula rural pignoratícia ou hipotecária o bem permanece sob o domínio do devedor (executado), não constituindo óbice à penhora na esfera trabalhista”.

Conclusão

Somente na hipótese de cédula de crédito industrial com garantia real formada por bens objeto de alienação fiduciária é que descabe potencializar a preferência do crédito trabalhista a ponto de alcançar aqueles envolvidos, que integram não o patrimônio do alienante, mas o do adquirente fiduciário, não podendo, nestes termos, ser atingidos por execução na qual não se revele como devedor.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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