A mais poderosa comissão da Câmara dos Deputados e opção preferencial dos parlamentares-juristas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) abriga hoje deputados que têm o Poder Judiciário em seus calcanhares. Entre titulares e suplentes, 18,1% dos deputados já nomeados para integrar a CCJ estão sob investigação ou são acusados em ações na Justiça de cometerem algum tipo de crime ou irregularidade.

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Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo em tribunais superiores e de primeira instância, 21 dos 116 estão nessas condições. A CCJ é responsável por uma espécie de controle de qualidade preliminar. Todos os projetos de lei produzidos no Legislativo são analisados pela comissão, que verifica se os textos são compatíveis com as disposições da Constituição e a boa técnica legislativa. Nessa seara, seu poder é terminativo: é capaz de barrar a tramitação de um projeto considerado inconsistente. A comissão também é sistematicamente acionada por parlamentares que enfrentam processos de cassação em análise no Conselho de Ética.

Fazem parte da comissão, por exemplo, João Paulo Cunha e José Genoino, ambos do PT-SP e denunciados pelo Ministério Público (MP) como integrantes do esquema do mensalão.

Também integram a comissão o ex-senador, ex-presidente do INSS no governo Lula e hoje deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), denunciado pelo MP por suposto envolvimento na máfia das sanguessugas e, ainda, o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP-SP), que é processado pela suposta prática de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

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Até o presidente da comissão, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), é obrigado a dar recorrentes explicações por conta de irregularidades atribuídas no passado à empresa do pai, o deputado estadual Jorge Picciani, também do PMDB, presidente da Assembléia do Rio. A empresa Agrovás Agropecuária, cujo presidente era Jorge Picciani, foi multada pelo Ministério do Trabalho por prática de trabalho análogo ao de escravidão em cinco fazendas do grupo. Embora integrasse os quadros da empresa Leonardo foi excluído do caso por não participar da administração.

A Agrovás ficou na lista suja, um cadastro do Ministério do Trabalho com as empresas flagradas fraudando leis trabalhistas. Após quitar as dívidas e não reincidir no crime, deixou a lista governamental. Circula no Congresso a informação de que ele chegou a aventar a hipótese de renunciar à presidência da CCJ. Procurado pela reportagem, não retornou as ligações.

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De todos os parlamentares com pendências ouvidos pelo Estado, apenas um admitiu ver conflito entre sua eventual situação de suspeição e o desempenho das funções como integrante da comissão. O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário no governo FHC Raul Jungmann (PPS-PE), um dos mais aguerridos opositores do governo na Câmara, diz que ficará afastado da CCJ até que a ação por improbidade administrativa na qual é réu seja resolvida.

?Eu declinei do posto. Tenho certeza da minha inocência, mas acho uma incompatibilidade continuar na comissão enquanto houver essa ação?, explicou. Jungmann é acusado pelo MP de envolvimento em um esquema de desvio de verbas de propaganda no ministério que teria causado prejuízo de R$ 33 milhões. Ele diz acreditar que a ação seja extinta até abril.

?Qualquer cidadão brasileiro é inocente até que se prove o contrário?, diverge o deputado Geraldo Pudim (PMDB-RJ), recorrendo ao princípio constitucional da presunção da inocência segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença. Integrante da bancada de apoio do ex-governador do Rio Anthony Garotinho, Pudim é acusado pelo Ministério Público Eleitoral de suposta compra de votos na eleição passada. Ele nega envolvimento com o caso.

Maluf não vê conflito. ?Ninguém entende de lei neste país mais do que eu. São dez mil leis assinadas por mim?, diz. ?São 40 anos de vida pública sem nenhuma condenação penal.

?Fui legalmente e politicamente eleito para exercer o meu mandato na sua plenitude?, reage Genoino, afirmando que, no caso do mensalão, avalizou empréstimos legalmente concedidos ao PT. ?A minha consciência não dói?, afirma o deputado Benedito de Lira (PP-AL), investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de envolvimento com a máfia das sanguessugas. Ele diz que foi confundido com o homônimo e ex-deputado Benedito Dias.

A CCJ tem importância estratégica e pode atravancar processos de cassação se os seus integrantes eventualmente atuarem com esse intuito. O ex-deputado José Dirceu (PT-SP) recorreu três vezes à CCJ, em vão, para anular o parecer do Conselho de Ética que recomendava sua cassação. Roberto Jefferson (PTB-RJ), também cassado por recomendação do conselho, apelou duas vezes, mas seus recursos também foram negados. O ex-deputado José Janene (PP-PR) conseguiu driblar o veredicto idêntico da CCJ, mediante sucessivas licenças médicas. Aposentou-se com salário de parlamentar.