1. Introdução. Estabeleceu a Lei n.º 5.584/70 que, salvo se versarem sobre matéria constitucional, nenhum recurso caberá das sentença proferidas nos dissídios de alçada (art. 2.º, § 4.º).
A alçada é reconhecida quando o valor fixado para a causa não exceder de duas vezes o salário mínimo vigente à data do ajuizamento da ação (art. 2.º, §§ 3.º e 4.º).
2. Constitucionalidade. Um dos trabalhos mais profundos que foi escrito sobre essa controvérsia foi o nominado de “Vedação Constitucional à utilização do salário mínimo como indexador ? problemas do adicional de insalubridade e da alçada ? experiência do direito comparado para a solução da questão”, de Ives Gandra da Silva Martins Filho, que assim interpretou: “a não pronúncia da nulidade do art. 2.º, parágrafo 4.º, da Lei n.º 5.584/70 teria como fundamento o princípio constitucional implícito da necessidade de agilizar e desafogar o Poder Judiciário (CF, arts. 24, X e 98, I), e como razão valorativa de decidir o fato de que a norma constitucional invocada como atritante com a lei (CF, art. 7.º, IV) não teve como escopo direto suprimir a alçada” (Revista LTr. Vol. 56, n.º 04, abril de 1992. p. 412).
3. A alçada na fase de execução trabalhista. O que expusemos até aqui, em princípio, aplicar-se-ia, naturalmente, à fase de conhecimento do processo trabalhista. Mas e no processo de execução, haveria, também, incidência da alçada?
Já são conhecidas as posições jurisprudenciais do TRT da 9.ª Região, das quais destacamos o seguinte aresto, como exemplo:
“ALÇADA ? AGRAVO DE PETIÇÃO ? NÃO CONHECIMENTO. Não se conhece de agravo de petição quando o valor atribuído à causa, no processo de conhecimento, é inferior ao de alçada, salvo se versar matéria constitucional. Inteligência do parágrafo 4.º, do art. 2.º, da Lei n.º 5.584/70” (AC n.º 3.132/96, 2.ª T., DJPR 16.02.96, Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther). No mesmo sentido, do mesmo Relator, o AC n.º 7.034/96, 2.ª T., DJPR 12.04.96).
4. Havendo matéria constitucional, qual o recurso cabível? No trabalho com o qual obteve o título de Mestre em Direito do Trabalho, pela Faculdade de Direito da USP, o Professor Estêvão Mallet, corajosamente, asseverou que: “se a causa não exceder a alçada do juízo de primeiro grau, não caberá recurso algum, salvo o extraordinário” (Do Recurso de Revista no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 43). O artigo 102, inciso III, da vigente Constituição “admite a interposição de recurso extraordinário diretamente contra decisão proferida em única instância, mesmo em matéria trabalhista, sem necessidade de que se trate de pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho (…) Resulta do exposto que, nas causas de alçada, ou bem nenhum recurso é cabível ? afastada inclusive a interposição de revista ? ou então tem pertinência somente o recurso extraordinário, diretamente do juízo de primeiro grau para o Supremo Tribunal Federal. Em matéria de alçada, pois, o recurso de revista não tem nunca cabimento” (ob. cit. p. 44).
Cita esse autor como precedentes do STF os seguintes acórdãos: 2.ª T. Proc. RE n.º 140.169-9, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU n.º 53 de 19.03.93, p. 4.283, e 1.ª T. Proc. RE n.º 136.149-2, Rel. Min. Moreira Alves, DJU n.º 213, de 06.11.92, p. 20.107.
O E. TRT da 9.ª Região possui, já, entendimento nesse sentido, como se extrai do Acórdão n.º 30.428/97 da 2.ª Turma, DJPR 07.11.97, Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther.
Recentemente, essa posição foi abrandada quando do julgamento do AI 543/00, onde se deu provimento parcial ao agravo de instrumento interposto exclusivamente quanto à matéria constitucional invocada, que era a base de cálculo das horas extras, onde havia sustentação que devia se limitar ao ordenado padrão, gratificação de cargo e anuênios, sob pena de afronta ao princípio da autodeterminação coletiva, inserto no art. 7.º, inciso XXVI, da CF/88 (AC n.º 21.167/01, julgamento ocorrido em 12.06.01, 2.ª Turma do TRT da 9.ª Região. Rel. Juiz Arion Mazurkevic).
5. Matéria constitucional – alcance da previsão legal. Toda e qualquer discussão que envolva alegada ofensa à Constituição Federal pode ser classificada como matéria constitucional a que alude a Lei n.º 5.584/70 (art. 2.º, § 4.º).
Conclusiva, neste ponto, é a decisão proferida pela E. 2.ª Turma, ementada pela Eminente Juíza Ana Carolina Zaina:
“ALÇADA. CONCEITO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EXCEPCIONADORA DA IRRECORRIBILIDADE. Uma ação versa sobre matéria constitucional quando a decisão acolhe pedido fundado em princípios constitucionais básicos ou o rejeita nos termos da contestação da parte adversa, que também se baseia em mesmos princípios. Acepções fundamentais, sublinhe-se, e não regras envolvendo direito material e processual” (TRT-PR-AP 1.870/99. AC. 5.637/00. 2.ª T. Rel. Juíza Ana Carolina Zaina. DJPR 23.03.00).
6. Alçada e os recursos do INSS (Lei n.º 10.035/00). Não sendo o INSS parte, mas apenas terceiro interessado, quando é chamado a se manifestar a respeito das contribuições sociais (previdenciários) incidentalmente, seja terminada a fase de conhecimento, ou de execução, no processo trabalhista, sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de manifestar-se, ou impugnar, o valor dado à causa, não parece ser jurídico entender que se lhe aplique as regras da alçada única de modo a lhe impedir o acesso à via recursal.
7. Conclusão. Incumbe aos advogados, portanto, atentar para a fixação do valor dado à causa, na Justiça do Trabalho, uma vez que àquelas de montante inferior a dois salários mínimos, que não versarem matéria constitucional, nenhum recurso será cabível. E quando houver antagonismo à Constituição poderá haver controvérsia sobre o cabimento do recurso ordinário e recurso de revista, vez que há corrente doutrinária (E. Mallet) entendendo só possível o recurso extraordinário diretamente ao Supremo Tribunal Federal.
Luiz Eduardo Gunther é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.