Nada como a taxa inflacionária batendo na preocupante casa dos 30% para mudar o tom do discurso de governantes inquebrantáveis na subordinação ao destino manifesto de cumprir missões históricas reservadas aos pretensos monolitos morais que despontam em diferentes cenários.

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Referimo-nos a Hugo Chávez, supremo comandante da revolução socialista bolivariana, eleito e reeleito para a presidência da República da Venezuela, que somente conseguiu ver-se livre da possibilidade do terceiro mandato consecutivo do atual ocupante do Palácio Miraflores por força da acachapante rejeição da proposta de reeleições ilimitadas, como ansiava Chávez, registrada no referendo realizado em dezembro passado. Caso o presidente Chávez tivesse obtido a vitória que esperava, seria autorizado a introduzir mudanças profundas no sistema político nacional, incluindo a suspensão de direitos civis em prolongados estados de emergência. Todavia, o revés acabou contribuindo para a inevitável corrosão do poder quase absoluto que o presidente se arrogava, resvalando para uma desmoralizante escalada do processo inflacionário, que ao chegar aos 30%, escancarou o flanco outrora inexpugnável do chavismo.

O clamor das classes menos abonadas da sociedade venezuelana, para as quais se tornaram insuficientes até mesmo as medidas assistencialistas baixadas pelo governo, levaram o supremo mandatário da nação a rever, pelo menos no plano imediato, os rumos do modelo institucional imposto sobre a população à vista de uma instabilidade econômica capaz de desmoronar o edifício retórico sobre o qual se apóia a algaravia do revolucionário bolivariano. Escaldado pelo claro repúdio à pretensão do continuismo, Chávez não demorou a perceber a gratuidade de seus ataques à política do presidente colombiano Álvaro Uribe, a quem se referia como um ?lacaio? do governo dos Estados Unidos.

A mudança repentina de foco deu-se há algumas semanas, quando Chávez julgou mais apropriado a seu projeto de curto prazo dispensar a propalada ligação umbilical com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), apregoando ser a guerrilha uma tentativa insana de derrubar um governo democrático como o de Uribe. Sua frustração sofreria um desgaste ainda mais acentuado com a bem-sucedida operação de resgate de 15 reféns há anos em poder dos guerrilheiros, dentre os quais a ex-senadora e candidata à presidência da República, a franco-colombiana Ingrid Bettancourt.

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Foram inúmeras as tentativas de Chávez de aparecer diante da mídia internacional como o principal negociador do liberdade dos reféns, o que já havia feito quando alguns cativos foram soltos meses atrás, muito embora dessa vez a primazia tivesse ficado com os serviços de inteligência do Exército colombiano, que conseguiu infiltrar alguns agentes entre os carcereiros de Ingrid e seus companheiros de prisão nas selvas. O presidente venezuelano, advertido ou não por conselheiros próximos, se convenceu da imperiosa necessidade de atacar questões internas mais candentes, sobretudo pelo alto teor de revolta popular, e decidiu encarar a tarefa de impor novas disposições sobre a política econômica, com o objetivo de evitar que a inflação ultrapasse a barreira dos 30%. Uma prática corriqueira na agenda de gestores democráticos, embora até aqui fosse virtude conflitante com a arrogância do autoproclamado líder bolivariano, também começa a ocupar espaço nas tratativas de Chávez, cada vez mais propenso a restabelecer canais de comunicação com setores influentes da sociedade venezuelana.

Em recente encontro com empresários e representantes do setor produtivo, o presidente falou da necessidade de uma ?aliança estratégica nacional?, aliás, um enfoque totalmente renovado e dirigido a uma classe à qual se imputava, aleatoriamente, as tentativas de golpe contra o governo. O súbito espírito conciliador de Hugo Chávez, ao que se percebe, está atrelado às eleições regionais de novembro, uma causa muito mais urgente.

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