Loquaz, inteligente e pedalando com mestria no uso das palavras, o presidente Lula é um craque na comunicação com as massas. Aqui, é capaz de dar nó em pingo d?água. Qualquer verdade ou mesmo bobagem que possa dizer tem um tom convincente e chama aplausos. Só seus inimigos preconceituosos e os críticos mais severos, que se dão ao trabalho de analisar o que ele diz, têm sido capazes de negar-lhe os méritos nas colheitas de sua retórica. Mas seria importante que o nosso presidente, com tantas e reconhecidas qualidades, distinguisse os discursos que faz dentro do nosso País do de outras nações, que muitas vezes precisa ou tem o ensejo de fazer, não raro em cerimônias oficiais. O que ele fez na semana passada na Finlândia, perante as autoridades daquele país e a imprensa internacional, foi um primor em termos de construção de sofismas.
Falando da crise financeira internacional, o presidente brasileiro disse que o governo americano deveria ?assumir as dificuldades?. E acrescentou: ?Quem criou a lei de financiamento foi o governo americano, portanto quem vendeu as facilidades assume as dificuldades?. Depois de reafirmar que o Brasil é economicamente sólido e não vai ser afetado pela crise dos mercados mundiais, diagnosticou: ?A crise foi causada por alguns fundos de investimentos que quiseram comprar títulos de risco como se estivessem em um cassino, tiveram prejuízos e nós não aceitaremos os prejuízos de um jogo do qual não participamos?.
Depois de exonerar o Brasil de responsabilidades e participação na crise, disse: ?Se os lucros não foram repartidos, muito menos queremos repartir os prejuízos?.
Esse discurso, embora tenha uma construção aparentemente lógica e traduza os desejos do Brasil diante da crise, merece ser analisado. Seu auditório eram as autoridades finlandesas e o mundo. E o mundo é uma espécie de cassino global em que cada país, cada grupo econômico, cada fundo de investimentos ou mesmo cada investidor individual tenta ganhar o máximo com o mínimo de riscos. Mas a crise que sacode o mercado mundial e que surgiu nos Estados Unidos, no setor de financiamento de moradias, tem seus efeitos na América do Norte, na Europa, na Ásia e, infelizmente, também no Brasil. Isso porque se há alguma coisa que foi globalizada, e não há como retroceder ou evitar, é o capital. O dinheiro não tem pátria. Ele caminha pelo mundo em busca de investimentos tão seguros quanto possível e rentáveis.
Esse dinheiro, todos os países disputam. O governo brasileiro, com seus juros elevadíssimos e carente de capitais, sempre foi um pescador de investimentos internacionais. A crise do mercado imobiliário norte-americano sinalizou a possibilidade de os Estados Unidos, que representam um quarto do PIB mundial, estarem à beira de uma crise econômica capaz de levar à recessão. Recessão lá é recessão mundial. O resultado seria insegurança dos investidores norte-americanos, russos, japoneses, alemães e até mesmo brasileiros. Todos iriam jogar muito dinheiro para baixo do colchão e os que ousassem continuar investindo o fariam onde ainda exista mais segurança e aceitável rentabilidade. O Brasil é um desses lugares onde o dinheiro pode pousar ou do qual pode decolar. Não se trata apenas de uma fria em que teriam entrado ambiciosos fundos de investimentos que estavam à cata de aplicações de risco. Estes também, mas investidores em geral à cata de aplicações de risco e de empréstimos.
O Brasil está nesta e seria bom que o nosso presidente estivesse atento para a crise. Nós poderemos escapar de seus piores efeitos, mas não estamos nem poderíamos estar vacinados contra os seus malefícios. Lançar as responsabilidades em Bush e no seu governo pode ser até correto. Mas nada resolve.