Caso Encol (parte I)

Comentários sobre sentença que condena banco solidariamente com a construtora a reparar danos morais e materiais

A Justiça do Estado do Paraná reconheceu a responsabilidade solidária, entre a Encol e o banco fornecedor de financiamento para construção de prédio objeto de falta de cumprimento contratual perante aos compradores de apartamentos não concluídos em face de falência da construtora.

Contratou-se advogado para promover a defesa de direitos, haja vista que o comprador adquirira apartamento de prédio em construção pela Encol, não lhe sendo entregue o imóvel em razão da decretação da falência desta construtora.

Três ações foram propostas: uma cautelar, objetivando garantir ao comprador o direito de concluir a obra, bem como destinar o valor faltante para quitação do apartamento à associação de condôminos constituída para esse fim; outras objetivando o cumprimento do contrato com reparação das perdas e danos, inclusive, pagamento de alugueres após o vencimento do prazo para entrega do imóvel, e dano moral.

As ações foram propostas contra a Encol e a instituição bancária que concedera o financiamento da construção do prédio, onde, pelo contrato de empréstimo, os valores seriam disponibilizados em favor da construtora em vinte parcelas, segundo cronograma de evolução da construção.

Para justificar a inclusão do banco no pólo passivo da demanda, argumentou-se que a publicidade engendrada no empreendimento – na qual constava o banco como agente financeiro – conferia credibilidade ao investimento (compra do imóvel), posto que a solidez da instituição financeira imprimia confiança e garantia de execução da obra e cumprimento do contrato pela Encol.

O contrato firmado entre o banco e a construtora para financiamento da construção do empreendimento foi o ponto principal de reconhecimento da solidariedade da Encol e da instituição financeira.

Extrai-se deste contrato que: “a credora abre crédito à devedora, cujo produto será exclusivamente aplicado na produção do referido empreendimento” (…) “para garantia do empréstimo a devedora institui a favor da credora hipoteca, bem como institui cessão fiduciária em garantia sobre os direitos creditórios resultantes da alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades”.

O contrato também previu o vencimento antecipado da dívida (financiamento entre o banco e Encol) no caso de não aplicação integral dos recursos do financiamento nas obras do empreendimento e venda ou promessa de venda da unidade sem prévio e expresso consentimento do banco.

Além disso, ficou acordado que a construtora obrigava-se a colocar e manter em local visível e junto à via pública placa alusiva à concessão do empréstimo; que toda publicidade do empreendimento deveria ser submetida à prévia aprovação do banco; que o nome deste deveria estar referido como concedente do empréstimo para realização do empreendimento.

A sentença da 2.ª Vara Cível da capital, ao reconhecer a responsabilidade do banco, fundamentou-se no fato de que ele “tinha real interesse na fiscalização de pagamentos feitos pelos adquirentes das unidades e de fiscalizar a execução da obra, o que lhe era assegurado por cláusulas contratuais e pelos arts. 22 e 23 da Lei 4.864/65 e 43 do Dec. -Lei 70/66.”

“Em se tratando de relação contratual com utilização de recursos do sistema financeiro da habitação destinados a promover a aquisição de casa própria, os requeridos, sem prejuízo dos rendimentos que visavam auferir, criaram situação jurídica vinculativa de concretização dos fins almejados, fins estes que não se resumem ao intento comum de lucro, indo além, alcançando o horizonte da justa expectativa do consumidor, pessoa vulnerável no mercado de consumo (º 1.º do art. 4.º do CDC), que para ver resultados satisfatórios dos serviços a ele prestados fica na dependência do cumprimento adequado de contratos entre agentes da economia de mercado financeiro.”

“O entrelaçamento e interdependência dos comportamentos faz nascer direitos e obrigações que não podem ser analisados de forma estanque ou nos limites de contratos formalmente separados que, se observados materialmente e com olhos na realidade, evidenciam a existência de teia negocial e de consumo que deve ser analisada em seu contexto global para apuração de responsabilidade além das inicialmente pretendidas pelos agentes economicamente mais fortes.”

“O banco, ao buscar amparo nos institutos da hipoteca e da solidariedade tal como tratados pelo Código Civil vigente à época dos contratos, não encontra respaldo no Código de Defesa do Consumidor.”

“O parágrafo único do art. 7.º do CDC prevê a responsabilidade solidária de todos quantos ofendam os direitos do consumidor, independentemente de culpa em casos de danos decorrentes de defeitos e informações insuficientes sobre a fruição e riscos dos serviços (art. 14 do CDC). A responsabilidade solidária também encontra normatividade jurídica no caput do art. 19 e 2.º do art. 25 do CDC, e no art. 1.581 do Código Civil vigente à época.”

“A jurisprudência, em casos similares, se posiciona pela não prevalência da hipoteca diante do consumidor”, sendo que “a relevância e efeitos, perante consumidor/adquirente, da omissão e negligência da instituição bancária que financia empreendimento imobiliário, não é questão estranha para nossos tribunais.”

“O alegado desconhecimento do banco quanto ao contrato firmado entre autor e Encol, é conseqüência direta de sua omissão e negligência do poder/dever de fiscalizar e acompanhar as vendas e pagamentos feitos pelos adquirentes e o cronograma físico-financeiro do empreendimento.”

Além disso, “a publicidade do financiamento da obra, perante o consumidor, não foi realizada com a finalidade de prevenir sobre hipoteca. Constata-se simples placa chamativa ao nome da instituição financeira, sem qualquer ressalva de aviso/esclarecimento ao consumidor sobre a obrigação contratual da Encol de obter prévia anuência e intervenção nos negócios de venda das unidades e da hipoteca sobre o imóvel ou de que valores pagos à Encol pelo consumidor eram objeto de cessão fiduciária, dados estes que deveriam constar, não só como requisito para adequada publicidade, mas como condição elementar de resguardo do equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.”

“O banco não teve qualquer iniciativa junto aos consumidores adquirentes de esclarecer sobre a necessidade de sua intervenção nos contratos de compra e venda (caberia ao banco munir-se de dados sobre os adquirentes junto à Encol, na condição de credor hipotecário e de cessionário fiduciário).”

Diante desses fatos, a justiça reconheceu a responsabilidade solidária do banco financiador do empreendimento para reparar os prejuízos sofridos pelo comprador de imóvel da Encol, não entregue em razão da decretação de falência da construtora.

No próximo artigo abordaremos outras questões relacionadas com a sentença em debate, especialmente, os danos que deverão ser reparados.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR e membro do Instituto dos Advogados do Paraná. E-mail: vps@juridicoempresarial.com.br

www.juridicoempresarial.com.br

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