Apesar do jeito simples, das roupas modestas e da ausência de brilho na oratória, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, mais conhecido como "Nildo", virou personalidade política das mais comentadas. Desde a entrevista à Agência Estado, no dia 13, quando contradisse, abertamente, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ele tem sido tema de debates, homenagens e citações por todo o País. Na quinta-feira (30), será o principal convidado de um ato público que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento da Indignação à Ação promoverão em São Paulo pela manhã.
Na internet, surgiram 12 comunidades dedicadas a ele na página de relacionamentos Orkut. Sete delas reúnem pessoas a favor dele; e duas, contra. Na comunidade chamada "Obrigado Nildo, Caseiro 10", a dona de casa Cleide Francez Ferreira, de 54 anos, definiu-o como "cidadão exemplar, cidadão-coragem, brasileiro com muito orgulho".
A indignação pelo fato de ele ter passado de testemunha a acusado e de ter os direitos violados levou mais de um internauta a propor o boicote à Caixa Econômica. Um deles até sugeriu o slogan para a campanha de boicote: "Sai da Caixa você também."
Um comerciante de Curitiba, dono de uma loja de produtos para surfistas, fez a seguinte introdução para a comunidade que acabou de criar: "É para todos que acreditam mais nas pessoas simples do que nos engravatados."
O criador da comunidade "Francenildo, o Governo o Calou" que se identifica como Esdras Bittencourt, disse ter sentido vergonha pelo fato de o caseiro não ter sido ouvido no Congresso: "Num casa onde até a dona de um bordel pode falar, um caseiro, trabalhador, teve seu direito de cidadão proibido, por saber demais."
A tendência das comunidades no Orkut pode ser identificada quase sempre pelo título. Como este: "Francenildo É o Cara". Mas há casos em que a primeira impressão engana. O criador da comunidade "Francenildo para Presidente" faz a seguinte pergunta aos participantes: "Qual seria o nome do partido do Francenildo?" E responde: "PCD – Partido dos Caseiros Dedos-Duros."
A coloração partidária das comunidades é marcante, com predominância de grupos simpáticos ao PSDB. Os ataques ao caseiro provêm quase invariavelmente de internautas simpáticos ao PT, para quem "Nildo" faria parte de um esquema destinado a desestabilizar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
O criador da comunidade "Quero Ser Irmão do Francenildo" ironiza o caseiro por causa do dinheiro depositado na conta dele pelo suposto pai biológico: "Também quero 38 mil."
As intervenções não passam por filtro nenhum – o que significa que sobram insultos cabeludos, alguns irreproduzíveis. Para a internauta Cleide, descontados os excessos, trata-se de um espaço democrático, onde todo mundo pode expor abertamente o que pensa.
De modo geral, a situação de "Nildo" lembra a de outro cidadão comum, Francisco Eriberto Freire de França, que era motorista do Palácio do Planalto, em 1992, e contradisse o então presidente Fernando Collor de Mello, também numa entrevista.
Ao revelar detalhes do esquema de corrupção chefiado pelo empresário Paulo César Farias, o PC, ele precipitou a derrubada do homem com maiores poderes na República e viveu dias inesquecíveis. Foi capa de revista, recebeu aplausos calorosos no plenário da Câmara e foi apontado como um exemplo de coragem para o País.
Na época, quem chefiava a tropa de choque de Collor, interessada em silenciar França a qualquer preço, era o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ); e um dos maiores defensores do direito de o motorista falar e acusar o presidente era o deputado José Genoino, então um dos expoentes da bancada petista no Congresso. Sempre que podia, Genoino lembrava o fato emblemático de França ser alguém do povo. Vale lembrar uma das frases mais repetidas por Genoino, quando Collor estava prestes a desabar: "É a vingança dos descamisados. Eles elegeram Collor, agora um deles vai derrubá-lo."