Cartões corporativos e CPI

Instituídos em 2001, os cartões corporativos estão dando muito que falar. O mês de março se inicia com divergências quanto à presidência dos trabalhos na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar os gastos nos cartões corporativos depois da renúncia de cargo em comissão por autoridade pública com status de Ministro de Estado. Como novidade e por força de tapiocas e outros gastos pessoais, novas regras foram baixadas pelo Poder Executivo para uso das regalias corporativas.

A experiência eterna, segundo Montesquieu, mostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde encontra limites.

O Poder Legislativo exerce sua atividade típica de elaborar leis e outras igualmente importantes, como as administrativas, as de cooperação com o Poder Executivo e a de controle e fiscalização, pelo exercício de atividade investigatória, para frear e controlar os órgãos públicos e seus próprios integrantes.

É na Constituição que nos deparamos com o berço do poder investigatório do Congresso Nacional, com a previsão de que as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, mas ?nenhum parlamentar pode, sem descumprimento de dever de ofício, consentir no desvirtuamento do propósito que haja norteado a criação de CPI e na conseqüente ineficácia de suas atividades?. (MS 25.885-MC, Min. Cezar Peluso).

O uso de cartões corporativos é eficaz para contornar a burocracia do Estado na concretização do serviço público que beneficie a população. Contudo, é imprescindível uma fiscalização atuante e proativa, dotada de mecanismos administrativos apropriados para coibir abusos e desvios. E a Controladoria-Geral da União desempenha a contento essa função, que é otimizada com a investigação externa promovida por órgãos diversos como as CPIs e a Polícia Federal.

A investigação de iniciativa parlamentar, concretizada por atos de comissões parlamentares de inquérito, apresenta aspectos relevantes como a visibilidade e ênfase de um tema de interesse nacional; o debate por representantes da sociedade brasileira; a amplitude da reflexão social; a imunidade das palavras e opiniões do parlamentar, no exercício de seu cargo e funções, que não se submetem a interferência de terceiros; possibilidade de propositura de soluções de ordem normativa no relatório da CPI; projetos de lei para coibir a reiteração de práticas ilegais detectadas no curso da investigação e que tramitarão em regime de urgência.

Por outro lado, há ainda aspectos que podem ser aperfeiçoados. Às testemunhas e aos investigados devem ser garantidos os respeitos às garantias e direitos individuais, como o respeito à honra, à imagem e ao direito de silêncio, o que evita o desgaste da própria instituição legislativa.

A investigação policial tem a sua eficácia consolidada por décadas de exercício contínuo e ininterrupto, com esteio no Código de Processo Penal. Infelizmente, essa continuidade investigativa não se observa na investigação parlamentar, porque o assento constitucional da sua gênese impõe data certa para o seu encerramento, o que acarreta a destinação ao Ministério Público e à Polícia Federal e Civil de milhares de documentos não analisados detidamente em razão do exíguo lapso temporal.

Este modelo de investigação vem sendo aperfeiçoado continuamente com o apoio da Polícia Federal (CPMI das Ambulâncias, entre outras), nos moldes do contorno constitucional do instituto da investigação parlamentar trazido pelo Supremo Tribunal Federal, na melhor aplicação da teoria dos freios e contrapesos.

Dessa forma, as vantagens da investigação parlamentar e da policial são revitalizadas e as desvantagens são vencidas, podendo o modelo de investigação conjunta ser expandida e adotada na atual conjuntura de desvio de verbas públicas para atendimento de fins particulares.

Getúlio Bezerra Santos é professor da Academia Nacional de Polícia. Foi diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal. Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal, autor de ?O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo?, ed. Del Rey.

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