Carta do Sauípe

A Assembléia Geral da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) encerrou o 21.º Encontro Nacional dos Juízes Federais com a elaboração da Carta de Sauípe, contendo o posicionamento político e institucional daquela entidade. Com a participação dos cerca de 400 juízes presentes ao evento, a Assembléia Geral da Ajufe concluiu pelo apoio e incentivo à instalação e à ampliação das varas especializadas em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro.

O ataque ao tráfico internacional de armas e entorpecentes, bem como as iniciativas que a Justiça Federal do Brasil tem tomado na integração dos organismos judiciais de vários países serão outros pontos a obter apoio. Concluiu-se, também, ser indispensável o enfrentamento de graves questões relativas à Política Nacional de Reforma Agrária. Para a Ajufe, a criação das varas agrárias federais é uma exigência que tem de, obrigatoriamente, ser cumprida, contribuindo para o fim dos conflitos de terra. Abaixo, a íntegra da Carta do Sauípe.

Os juízes e juízas federais do Brasil, reunidos no 21.º Encontro Nacional dos Juízes Federais do Brasil, realizado na Costa do Sauípe, de 13 a 16 de outubro de 2004, aprovam a seguinte carta à nação:

Juízes, nos dias atuais, não podem se preocupar tão só com a preservação de seus interesses imediatistas ou corporativistas; juízes comprometidos com as mudanças sustentam suas prerrogativas como garantias da cidadania e não se eximem de qualquer debate; não se escondem atrás de qualquer tabu ? antes enfrentam com serenidade as naturais cobranças e exigências populares quanto às suas próprias limitações de eficácia e morosidade.

Nesse contexto, a violência e a criminalidade organizada constituem um perigo real e efetivo ao estado democrático de direito e à democratização da sociedade brasileira. O tráfico de armas e drogas, o descaminho, a lavagem de dinheiro e a corrupção de agentes públicos, com a conivência de setores ligados à segurança pública, bem como sua ramificação e ampliação em braços dos três poderes do Estado, utilizando modernas tecnologias e a informática, comprometem as bases da segurança e da efetividade das garantias constitucionais.

A Ajufe apóia e incentiva a instalação e ampliação das varas especializadas em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, o ataque ao tráfico internacional de armas e entorpecentes, bem como as iniciativas que a Justiça Federal do Brasil tem tomado na integração dos organismos judiciais de vários países.

Por outro lado, os juízes federais se preocupam com o destino de 40 milhões de brasileiros situados em situação de pobreza e mais de 12 milhões na linha de indigência. É essa população que deve ser integrada com urgência ao mundo dos direitos, através de políticas públicas de ampliação do acesso à justiça rápida, eficaz, barata e de qualidade. A proposta dos Juizados Especiais Federais se mostra uma alavanca e uma essencial mudança de paradigma na prestação de jurisdição.

A Ajufe defende a ampliação do número de varas e juízes federais, com a devida estrutura material e humana, a ampliação dos Tribunais Regionais Federais existentes e a criação de outros, e aprovação da proposta de turmas itinerantes destes tribunais, melhorando a relação do número de juízes por habitante, hoje incapaz de assegurar um mínimo aceitável de celeridade processual em virtude do acúmulo de trabalho nos juízos de primeiro grau e nos tribunais.

A Reforma do Judiciário em curso no Congresso Nacional, mesmo não avançando no combate à morosidade e na democratização do Judiciário, é positiva ao criar o Conselho Nacional de Justiça por mais transparência e planejamento; a federalização dos crimes contra os direitos humanos; e o aumento do número de juízes federais nos TREs, evitando o verdadeiro monopólio hoje existente dos Tribunais de Justiça sobre as cortes eleitorais, ajuste indispensável para uma perfeita equalização da questão federativa nas eleições brasileiras.

Além disso, os juízes federais defendem uma revisão urgente das leis processuais para coibir a utilização da Justiça como meio de rolagem das dívidas.

A Ajufe também clama pela imediata implementação de medidas moralizadoras, como a efetiva fixação de um teto remuneratório sem nenhuma espécie de exceção, para todos os integrantes do serviço público e agentes públicos, incluindo todos os integrantes da magistratura nacional, evitando-se a situação hoje insustentável de alguns que recebem salários muito superiores aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

É ainda indispensável o enfrentamento de graves questões relativas à Política Nacional de Reforma Agrária. A Ajufe está segura de que a criação das varas agrárias federais é uma exigência inafastável para contribuir com a resolução dos conflitos da terra, que vêm se arrastando sem solução e com aumento de sua violência há muitos anos.

Por estes motivos, defendemos a indispensável mudança estrutural da Justiça, fundamental para preservação do pacto federativo, da cidadania e da regularidade das relações econômicas.

Sabemos que a postura ativa que vimos assumindo nos últimos anos leva, por vezes, a afirmações de que os juízes estão buscando tornar-se legisladores sem legitimação democrática, afastando-se do campo da judicialidade, e que ela pode às vezes provocar a disputa pequena por espaços de poder que alguns presumem intocáveis. Mas ela será mantida com firmeza pelos juízes e juízas federais do Brasil, não por orgulho ou pela pretensão de sermos melhores que outros, mas pela certeza de que a transformação do Poder Judiciário em um instrumento efetivo no combate às desigualdades sociais é uma necessidade essencial do processo democrático.

Fonte:

Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

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