Relatório de síntese do III Encontro de Projetos de Pesquisa em Direito Civil da UFPR-UERJ:
Ordem Pública e Relações Jurídicas Privadas
Na perspectiva do direito civil brasileiro contemporâneo, uma principiologia constitucional pode ser apta a fundamentar possibilidades hermenêuticas e críticas do Código Civil de 2002, conferindo-lhe eficácia social compatível com a realidade.
Orienta esse caminho o perfil constitucionalizado do direito civil brasileiro contemporâneo que está direcionado à busca da efetividade dos direitos fundamentais na legítima tutela da dignidade das pessoas, tomadas em sua pluralidade e concretude, respeitadas em sua diversidade e realidade histórico-cultural.
Avulta nesse campo das relações jurídicas privadas o debate sobre a transformação da definição e do sentido de ordem pública e de interesse social, e disso decorre um redesenho da autonomia privada e dos contratos, inclusive na perspectiva das alterações tecnológicas e seus impactos sociais, econômicos e jurídicos.
Ressalta-se que a ausência de mudanças estruturais no estatuto jurídico dos direitos subjetivos sobre as titularidades, previsto pelo Código Civil de 2002, não afasta nem elide a concretização da função social da propriedade, da posse e da empresa; ao contrário, os contornos constitucionais do regime jurídico sobre o patrimônio recebem a incidência das normas constitucionais e se destinam à tutela prioritária da pessoa e suas necessidades.
Verifica-se, ainda, a superação dos conceitos tradicionais de direitos subjetivos e deveres jurídicos, categorias concebidas sob o paradigma das relações patrimoniais, alterando-se os limites e as possibilidades da apreensão das relações sociais pertinentes à pessoa e à família.
Ademais, dos debates surgiram indagações a serem aprofundadas posteriormente; dentre elas, é possível mencionar as seguintes:
1) Quais os requisitos para a admissibilidade de entidades familiares e quais os estatutos jurídicos aplicáveis?
2) Como compatibilizar o surgimento de novas hipóteses de danos com a técnica das relações existenciais que deve presidir as relações de família?
3) Há que se definir os limites e as possibilidades da atuação jurisdicional na aplicação dos artigos 317, 478 e 479 do Código Civil, no sentido de determinar a revisão ou resolução contratual à luz dos princípios do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva, da conservação dos contratos e do valor social da livre iniciativa.
4) Diante dos contratos eletrônicos, que surgem na esteira das novas tecnologias, há que se discutir o papel da boa-fé objetiva, a identificação da parte contratante e o momento e o local da contratação, além de estabelecer se as normas aplicáveis e os mecanismos disponíveis de jurisdição estatal são suficientes para dirimir os conflitos de interesse deles decorrentes, especialmente no que tange à proteção do consumidor.
5) Emergiu, ainda, do Encontro a necessidade de se estabelecer a distinção entre os conceitos de subjetividade e de personalidade, definindo princípios, categorias e institutos próprios das relações existenciais, fundadas na dignidade da pessoa humana.
6) Reafirmou-se a formulação da distinção fundamental no direito civil contemporâneo entre as relações patrimoniais e as relações extrapatrimoniais, restando a necessidade de definir o grau de importância da distinção, cada vez mais questionada e relativizada, entre os direitos reais e os direitos obrigacionais.
7) Impende, também, estabelecer como o reconhecimento de uma categoria única de relações patrimoniais que represente a superação da dicotomia entre relações reais e obrigacionais poderá permitir a subordinação da teoria dos bens à promoção e plena realização da pessoa.
8) Mostra-se importante retratar as conseqüências jurídicas dos novos contornos da autonomia privada, influenciada por alteração qualitativa ditada pelos valores constitucionais, especialmente a igualdade substancial e a solidariedade social.
9) Diante da crescente complexidade das relações contratuais, cuja eficácia transcende as partes, há que se estabelecer: a) os critérios para adoção da responsabilidade contratual ou extracontratual na hipótese de lesão do crédito causada por terceiro; b) se está superada a dicotomia clássica entre partes e terceiros; c) se a proteção de posição contratual em face de terceiros tem por fundamento o princípio da função social do contrato.
10) No campo da reparação de danos, é de se adaptar a estrutura da responsabilidade civil à expansão representada pelos novos danos e, em especial, definir critérios de seleção dos interesses merecedores de tutela compatíveis com os valores constitucionais.
Curitiba (PR), 7 e 8 de abril de 2005,
Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFPR.
Coordenação: Professores Luiz Edson Fachin e Gustavo Tepedino
Curitiba, terra de Helena Kolody e Paulo Leminski, em 8 de abril de 2005.
