Vivemos desde 1988 sob o manto de uma Constituição que, mais do que nunca em nossa História, reconhece nos direitos humanos a fonte primeira do desenvolvimento da nação.

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De fato, a análise das ordens constitucionais anteriores nos mostra que no Brasil a evolução social foi marcada por inúmeros desrespeitos aos direitos humanos, não apenas no campo fático como também nos próprios textos normativos.

Assim se deu, por exemplo, com a existência, por quase todo o século XIX, de um vergonhoso regime de aceitação à escravatura, bem como de uma Constituição que não reconhecia a liberdade religiosa nem proibia a pena de morte. No campo eleitoral, o voto secreto, e, no campo trabalhista, os institutos de proteção aos trabalhadores, foram direitos que permaneceram desconhecidos em nosso território mesmo após o início do século XX.

Além disso, o avanço, no campo dos direitos humanos, trazido pelas Constituições de 1934 e 1946 foi duramente mutilado pelos regimes autoritários de 1937 e 1964.

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É, pois, com alívio que vivemos hoje sob uma ordem constitucional consagradora da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da democracia e do pluralismo político, e que tem por objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Também é com satisfação que enxergamos a inserção do Brasil numa ordem internacional que se pauta pela prevalência dos direitos humanos, ao lado de princípios outros louváveis, como a defesa da paz e da solução pacífica de conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a autodeterminação dos povos e a não-intervenção e a cooperação entre os Estados para o progresso da humanidade. Temos hoje orgulho em proclamar uma ordem que eleva à categoria de direitos fundamentais sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

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Esse retrato que a Constituição nos dá do Brasil, no que atine aos direitos humanos, parece mostrar a conquista de um estágio ideal de harmonia social e de vitória dos valores humanos sobre todas as vergonhas do passado.

A realidade, entretanto, infelizmente não corresponde a esse quadro teórico – fosse assim não mais haveria hoje defensores dos direitos humanos.

E é essa a justificativa e a importância de um encontro de defesa dos direitos humanos: tentar chamar a atenção de todos não àquilo que já conquistamos no âmbito normativo mas àquilo que ainda falta conquistar no campo fático. E ainda falta muito.

Sem ignorar que muitas vezes a real aplicação dos direitos humanos acaba esbarrando em limitações governamentais orçamentárias difíceis de ser sanadas, acreditamos que a efetividade de um encontro como este está na possibilidade de mudança das consciências pois é pelas atitudes de cada um que se transforma o mundo.

É, portanto, buscando enxergar na prática todos aqueles direitos que nossa Constituição proclama na teoria, que nós, magistrados, advogados, membros do Ministério Público, defensores públicos, clérigos das mais diversas religiões, professores, estudiosos, representantes de entidades de classe, alunos, cientistas sociais e políticos, solenemente proclamamos, em evento nacional aberto a toda a comunidade, que:

1 – Os direitos humanos são o conjunto de normas reconhecidas, defendidas e aplicadas por instituições voltadas ao resguardo da dignidade, liberdade, igualdade, honra e outros direitos fundamentais e constituem a essência da civilização e da cultura dos regimes democráticos.

2 – A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou, na Declaração Universal de 1948, que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade, e que um mundo onde exista a liberdade de palavra, de crença e a salvo do temor e da insegurança é a mais alta inspiração do ser humano.

3 – Os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da pessoa humana, que compõem a histórica Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) foram afirmados como reconhecimento de que ?a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos?.

4 – Somente um Estado Democrático de Direito pode absorver as tensões entre as demandas de segurança pública e as salvaguardas de liberdade individual, assegurando-lhes o equilíbrio imprescindível a um regime de paz social.

5 – Reagindo contra a intolerância, a opressão e a violência dos regimes autoritários de governo, o preceito constitucional declara como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

6 – A dignidade é um valor inerente a todo ser humano, e em função dela devem ser vistos os direitos humanos. Assim é que nossa Constituição a reconhece, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

7 – A cidadania, como um conjunto de direitos e deveres que liga as pessoas a uma entidade política que existe para atender as demandas públicas, deve ser exercida plenamente por meio dos direitos e das garantias constitucionais e legais.

8 – A sociedade precisa assumir os deveres de difundir, proteger e exigir a efetividade dos direitos humanos. É necessária uma consciência coletiva de que as relações humanas e o convívio social estão acima de negócios jurídicos e econômicos. Uma sociedade que valoriza a economia em detrimento da dignidade da pessoa humana nunca irá realizar os ideais de justiça e segurança.

9 – A dignidade da pessoa humana aponta para direitos e garantias constitucionalmente assegurados pela só-condição de ser pertencente à espécie humana. Nesse sentido, os direitos humanos esculpidos em nossa Carta Política remetem à condição humana socialmente considerada, o que significa que não se pode analisá-los a partir de uma perspectiva unicamente normativista, devendo-se proceder, então, a uma consideração transdisciplinar.

10 – Na análise normativa dos direitos humanos devem predominar as interpretações teleológica e sistemática, isto é, os dispositivos a eles referentes devem ser considerados à luz dos princípios fundamentais da Constituição da República.

11 – Os operadores do direito têm a missão de colaborar com os meios e os métodos inerentes à sua formação e sensibilidade visando ao progresso da democracia e da justiça social, com programas de Educação para os direitos humanos.

12 – Os programas dos Cursos Jurídicos, das Escolas da Magistratura, do Ministério Público e da Advocacia devem priorizar o estudo dos direitos humanos, fomentando a consciência acerca dos direitos e dos deveres que tenham como objetivos a efetivação das garantias constitucionais, evitando quaisquer formas de exclusão.

Os direitos humanos devem representar, na formação dos juízes e demais profissionais do direito, o elo entre a lei, o cidadão e a realidade social, sendo sua observância obrigatória na pacificação dos conflitos.

13 – A instituição e o funcionamento das defensorias públicas é regra constitucional de imperioso e inadiável cumprimento, assegurando-se a seus membros condições para o digno exercício das suas funções, no afã de que os menos favorecidos tenham também assegurados direito de defesa com os recursos a ela inerentes.

14 – O respeito pontual pelos poderes públicos aos direitos e garantias individuais, longe de conduzir à impunidade do crime, contribuem para o aperfeiçoamento e eficácia dos padrões de investigação e repressão do delito, ao tempo em que previnem violações à dignidade da pessoa humana e erros judiciários.

15 – O combate ao crime pelo Estado deve respeitar o princípio da legalidade e a violência não deve ser tratada com legislação insuflada pelo pânico ou emoção coletiva.

A proporcionalidade entre as infrações e as sanções deve ser observada como um consectário lógico dos direitos humanos.

16 – O advogado desempenha papel relevantíssimo em sua missão, na medida em que luta por assegurar as garantias e os direitos dos cidadãos, independentemente da natureza e do grau de acusação criminal contra seu defendido.

O advogado não pode ser a ele equiparado porque, além do patrocínio legal de interesse individual, cumpre o dever histórico de amparar conquistas da cultura e da civilização.

17 – Devem ser deflagrados mecanismos visando à proteção da honra, imagem, intimidade, presunção de inocência das pessoas prematuramente mencionadas ou envolvidas em situações de anti-sociabilidade contra o sensacionalismo de certos programas jornalísticos que, na contramão do jornalismo investigativo e imparcial, só fazem escarnecer da desgraça alheia e estimular a paranóia coletiva, enquanto conferem notoriedade indesejável a criminosos.

Os meios de comunicação social não podem se converter em usinas do medo, aliciados a grupos de interesses que fazem do discurso político um instrumento visando dividendos do poder e para difundir a escalada do poder repressivo do Estado.

18 – O endurecimento das leis criminais e o aumento dos suplícios na execução da pena de prisão constituem as faces trágicas de um direito penal do terror que fabrica injustiças individuais e não tranqüiliza a população.

19 – A segurança pública é um gênero de primeira necessidade. Os gravíssimos atentados e o terrorismo urbano que fazem inúmeras vítimas em São Paulo têm, entre suas causas próximas, a falta de políticas públicas de educação para os direitos humanos, as péssimas condições do sistema penitenciário brasileiro, a ausência de recursos humanos e materiais das agências de controle da criminalidade e o desprezo dos governos pelos elementares direitos dos cidadãos.

20 – A boa reintegração social é um direito de todos os condenados. Nesse sentido, são proibidas as penas cruéis, bem como a tortura e o tratamento desumano ou degradante, de modo que o Regime Disciplinar Diferenciado, previsto pela Lei n.º 10.792/03, é inconstitucional.

21 – Os cursos de Ciências Humanas, em geral, devem, obrigatoriamente, manter em seus currículos noções teóricas e práticas do Direito e da Justiça Eleitoral, lembrando a máxima do imortal romancista e político do Império, José de Alencar: ?O voto não é somente um direito político do cidadão; é uma fração da soberania nacional?.

22 – As reformas políticas e institucionais de que necessitam o país, a nação e o povo devem ser implementadas pelos poderes do Estado com a participação dos cidadãos e tendo por princípios básicos que os partidos políticos não são meros grupos de interesse fazendo petições ao governo em causa própria, mas ao contrário, associações éticas para servir ao bem comum.

23 – O Estado e a sociedade devem apoiar e incentivar as boas ações das organizações não governamentais (ONGs), pelo seu papel relevante na difusão e proteção dos direitos humanos

24 – É dever de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional a facilitação do acesso à educação, à saúde, à segurança, à propriedade, à justiça e aos demais direitos humanos a todos os cidadãos, independentemente de sua condição social.

25 – Os municípios brasileiros, em geral, devem, no âmbito de suas atribuições institucionais e legais, constituir comissões paritárias entre servidores públicos e munícipes com o objetivo de difundir e zelar pela efetividade dos direitos humanos junto à comunidade.

26 – Os responsáveis pela administração educacional pública e privada, em todos os níveis, devem instituir como disciplina obrigatória nos currículos noções teóricas e práticas de direitos humanos.

27 – A efetividade do direito humano à educação é um dos grandes desafios do século XXI, visando reduzir o quadro de desigualdade social e a violência. Cabe, portanto, aos defensores dos direitos humanos unir esforços em prol da universalização da educação de qualidade para todos como forma de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana e disseminar a paz social.

A universalidade do acesso da população aos serviços públicos de qualidade, notadamente nas áreas de saúde e educação, como forma de política de inclusão social, deve ser objeto da união de esforços das organizações governamentais e não governamentais, visando garantir o princípio constitucional da eficiência da Administração Pública e a efetivação dos direitos fundamentais sociais.

A discussão de temas tão relevantes visando à efetivação dos direitos humanos, ante as proposições aprovadas pelo Encontro Brasileiro de Direitos Humanos nesta Carta Brasil, faz nascer a semente de um espaço democrático, com a instituição da UniDH Universidade Livre dos Direitos Humanos (?de todos e para todos?), que tem como objetivo criar e consolidar um espaço de discussão, conscientização e estímulo ao respeito, às posturas e às vivências dos direitos humanos (naturais, como à vida, à liberdade, à igualdade ou civis, como fruto da organização sócio-político-cultural e econômica).

Fica instituído o Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, que será realizado bienalmente e os Encontros Estaduais a cada ano.

Desde logo, fica designado que o próximo Encontro Estadual será realizado no Estado de São Paulo.

Curitiba, 03 de agosto de 2006.

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO
Presidente da Comissão de Redação

Integrantes: Elias Mattar Assad, René Ariel Dotti, Maria Tereza Uille Gomes, Roberto Portugal Bacellar, Marlos Arns de Oliveira, Flávia Piovesan