Carta aos sequestradores de Laurinha

Meus senhores,

Dia desses, armas em punho, vocês invadiram bruscamente minha humilde casa e renderam a mim, minha mulher e meus três filhos pequenos. Ao tentar socorrer e pegar no colo a pequerrucha, de apenas dois anos de idade, levei uma coronhada na nuca que me deixou desacordado. As crianças começaram a chorar e a gritar, e foram esmurradas e ameaçadas. Minha mulher entrou em pânico, virou uma fera tentando defender as crias. Foi amarrada, amordaçada e agredida. O mesmo fizeram com as crianças.

Quando voltei a mim, ainda atordoado, vi minha mulher tentando socorrer-me, pois minha cabeça estava sangrando muito, por causa do golpe recebido. Desamarrei-a, arranquei-lhe a mordaça, e ela começou a gritar: ?Levaram nossa Laurinha, levaram nosso bebê!?

Desgraçados! Infames! Vocês não têm alma? Não têm filhos? Por que seqüestraram nossa filhinha? Por que não me levaram a mim?

Vocês deixaram um recado muito claro. Devíamos providenciar a transferência de propriedade de nossa casa para vocês, em nome de um ?laranja?, é claro… ?com a urgência proporcional à saudade de nossa filha?. Foi o que disseram. Assim que tudo estivesse arranjado, e a casa desocupada, a criança seria devolvida, sã e salva. Vocês prometeram fazer contato o mais breve possível. E, se procurássemos a polícia, vocês voltariam e dizimariam a família inteira, começando pela caçula, é claro, e pelos outros dois filhos.

Voltando do pronto-socorro, onde recebi curativos nos ferimentos decorrentes de uma queda da escada… fiquei pensando, tentando entender o porquê do interesse de vocês por nossa casa, que é uma das mais humildes do bairro. Por quê, meu Deus?    

Nosso lar, antes tranqüilo e feliz, a partir de então virou um inferno, com as crianças em estado de choque, sobressaltadas, todos nós chorando de saudades de nossa pequena Laura. Minha mulher entrou em depressão. Não se alimentava, nem tinha mais gosto em se arrumar. Perdeu a alegria de viver. Passávamos noites em claro, tentando imaginar como estaria nosso bebê. Eu não tinha ânimo para nada, muito menos para trabalhar.

Não conseguíamos raciocinar direito. Não seria mais seguro contar tudo à polícia e pedir ajuda às autoridades? O quê? disse minha mulher. Correr o risco de ficar sem nossa pequerrucha e sem as outras duas crianças, se os bandidos voltarem para cumprir a ameaça?

Optamos pelo silêncio. Era mais prudente. Temíamos pela segurança de nossos filhos, a segurança que o poder público não consegue garantir aos cidadãos. A propósito, vocês bandidos demonstraram que conheciam também nossos parentes, sabiam onde moram, onde trabalham, a rotina deles. E quem nos garantia que algum policial corrupto não estava envolvido?

Foram dias terríveis, de uma pesadelo indescritível. Quando, passados trinta dias, já estávamos em tempo de enlouquecer por falta de notícias de nossa Laurinha, vocês telefonaram. Foi uma choradeira geral, quando ouvimos a voz dela, chamando pela mamãe, pelos irmãos e pelo papai. No ?viva- voz?, todos queriam falar ao mesmo tempo: os irmãozinhos querendo contar as novidades, o carrinho novo de um, a boneca nova, da outra; a mamãe querendo saber se não tinha se resfriado; eu dizendo que estava morrendo de saudades dela… Uma confusão danada!

De repente, um de vocês interrompeu a conversa e perguntou se a papelada da transferência da casa já estava pronta. Faltava muito pouco, a demora devia-se a um saldo devedor que eu tivera de quitar. Mas, tudo ia se resolver logo. Ele me disse que a pressa era minha, e desligou.

Quinze dias depois, novo telefonema. O interlocutor estava nervoso e de pouca prosa. Não nos deixou falar com a criança. Pedi uma prova de que ela estava bem. Ele disse que, se eu insistisse em fazer exigências, eles começariam a me enviar ?pedaços? da menina. Nesses termos.

Eu lhe declarei, em prantos, que estava com os documentos em mãos e que a casa já estava desocupada. Pedi clemência, que poupassem a vida de minha filhinha inocente. Ele disse que estava a par de tudo e, por isso mesmo, estava telefonando.

Foi marcado o local da troca dos documentos pela criança. Se eu bancasse o espertinho, ela morreria. Eu não devia esquecer que vocês estavam muito bem-informados. Eu tinha de ir sozinho, e a pé. Vocês estariam acompanhando meus passos, o tempo todo.

Quando cheguei ao local, deparei-me com um bilhete, orientando o trajeto a seguir. Uma camionete, que passava pela estradinha de terra, quase estragou tudo. Eu temia que vocês pensassem que fosse armação.

Abri a porteira, conforme explicado, e ali perto, no interior de um casebre de madeira, no meio do pasto, estava nossa Laurinha, descalça, desnutrida e suja, tiritando de frio. Tirei-lhe a mordaça, cortei as amarras, abracei-a fortemente, entre soluços, e saí depressa de lá, deixando, sobre um banquinho, o envelope com os documentos da casa.

 Ficamos sem nossa moradia, mas estamos felizes, todos juntos, de novo, celebrando a volta de nossa querida Laurinha.

Deus seja louvado! 

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