Carta a meu filho médico

Meu querido filho, Saiba, antes de tudo, que, para mim, é motivo de imenso orgulho ter um filho médico. E esse orgulho se inflama cada vez que se confirma, em suas atitudes, aquela pessoa honesta e de caráter que você sempre foi.

A cada dia que passa, estarei acompanhando seus passos, progressos e cada sucesso alcançado, e, aqui de meu canto silencioso, estarei feliz, abençoando sua existência.

Todo pai é conselheiro natural. E eu bem sei que ninguém (nem mesmo os filhos) recebe de bom grado qualquer conselho. Mas, eu preciso dar-lhe alguns, e considero até uma obrigação fazê-lo, justamente agora, que você inicia o exercício da medicina.

Filho, a proliferação desordenada de cursos superiores, neste país, dentre eles o de medicina, tem resultado na deterioração dos corpos docente (professores mercenários) e discente (alunos não vocacionados) das diversas Faculdades, e conseqüente crescimento inflacionário de profissionais dessa área, instaurando-se, na selvagem concorrência do mercado de trabalho, sensível banalização da carreira, institucionalizando uma inaceitável situação do “salve-se quem puder”.

Não se esqueça nunca, meu filho, do juramento que você fez, na colação de grau! Não se deixe, jamais, levar pela ganância ou seduzir pela vaidade, que faz o médico desprezar comezinhos princípios éticos, na ânsia de amealhar riquezas e títulos, relegando a plano secundário o ideal de servir à comunidade, promovendo a saúde e o bem-estar de seus pacientes (do latim patiens, patientis = que padece, sofredor).

Seja, sobretudo, humano e indulgente com os que sofrem. É certo que o médico não é obrigado a assinar convênios com associações ou órgãos corporativos, com preços reduzidos de consultas e de atos cirúrgicos.

Mas, se o fizer, há de cumprir fielmente e com seriedade as cláusulas do contrato, sem tentar burlar as normas, com esquivanças, subterfúgios e manobras escusas, para, aproveitando-se da circunstância de estarem pacientes e familiares fragilizados pela dor, auferir honorários extras, em cirurgias e procedimentos.

Principiante ou medalhão, modesto financeiramente ou abonado, seja qual for o estágio de sua carreira, permaneça fiel e obediente a sua agenda e rigoroso em seus horários de consultas.

Nada exaspera tanto o cliente que vai ao consultório à busca de um lenitivo para sua dor, do que a desídia de médicos que se comprazem em fazer aquele amargar um longa espera, espera que parece, aos que sofrem, uma eternidade. E na pressa dos dias de hoje, as consultas são feitas na correria (time is money!), sem tempo para aferir a pressão ou mesmo medir a temperatura do pobre doente.

Trago para sua apreciação outro assunto da maior gravidade. Especialistas e órgãos de classe vêm se preocupando seriamente com a influência cada vez maior dos laboratórios sobre os médicos.

Li, recentemente, em jornal de São Paulo, que a indústria farmacêutica é, hoje, uma das maiores responsáveis pela “atualização” de profissionais das mais diversas áreas da medicina.

Em eventos dessa natureza, médicos são favorecidos com passagens de primeira classe para o exterior, com hotéis de luxo e muitas mordomias, presentes e regalias, com o objetivo único de divulgar os produtos da empresa patrocinadora.

Ao criticar tal proceder, um respeitável membro do Conselho Federal de Medicina declarou, recentemente, que se sente envergonhado com essa atitude de alguns colegas seus. Outro conselheiro diz que é contrário até à aceitação de brindes e amostras grátis pelos médicos.

Seria uma ingenuidade pensar que o médico que foi agraciado com aqueles preciosos brindes ficaria à vontade para receitar medicamentos de laboratórios concorrentes, se convencido da superioridade destes últimos.

Não aceite, jamais, meu filho, benesses de laboratórios ou de quem quer que seja, para que, assim, você possa continuar absolutamente livre, exercendo a medicina em sua plenitude, de acordo com sua consciência, sem qualquer constrangimento e sem interferência de qualquer natureza. Prefira fazer turismo com seus próprios recursos, esperando ter condições de fazê-lo. Você verá que sai muito mais barato e prazeroso…

Meu filho, a sociedade não vê também com bons olhos uma prática muito antiga de profissionais que possuem laboratórios de análises ou clínicas especializadas e para lá encaminham sua clientela… Nem se diga que os pacientes não são obrigados a realizar ali seus exames. E o constrangimento de quem não aceitar a indicação?

O comportamento ético envolve certa sutileza que, muito convenientemente, não é percebida pelos que o desprezam. Pode até ser legal, mas, definitivamente, não é moral!

Ora, se meu médico indica determinado laboratório em detrimento dos demais, é claro que outro médico indicará outro laboratório em detrimento daquele… Qual o critério para se estabelecer, aí, a excelência dos serviços?

Que dizer, então, dos vendilhões do templo que transformam o sacrossanto liminar de seu consultório em balcão de negócios?

A propósito dessa sutileza dos princípios éticos, os quais vêm sendo desprezados por alguns profissionais, espera-se que o novo código de ética dos médicos, previsto para vigorar no próximo ano, em substituição ao provecto estatuto, venha a regular tais procedimentos, com a necessária clareza, a fim de se restabelecer a nobreza e respeitabilidade de tão augusta profissão.

Pois bem, meu filho. Se assim proceder, se observar fielmente esses mandamentos, você será um homem honrado e de princípios, e terá as bênçãos de seu pai e o respeito da sociedade.

Albino Freire é juiz de Direito aposentado e membro da Academia Paranaense de Letras.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna