É uma verdade muito conhecida: o legislador, ao elaborar a lei, não conhece nem pode prever todos os fatos que a lei vai disciplinar. Ele conhece um tipo de fatos com características gerais e é baseado nessas características que elabora a lei, visando a um fim social. Acontece que, no curso do tempo e das atividades humanas, os fatos vão surgindo com particularidades não previstas e que, pela generalidade da lei, dir-se-ia estarem fora do alcance da lei. E é aí que entra uma parte da função do Poder Judiciário: a de aperfeiçoar a lei, em sua aplicação, e as instituições, como vem fazendo, muito bem, a Justiça Eleitoral.
Graças à Justiça Eleitoral temos hoje um sistema de eleições informatizado que foi um grande passo em nosso processo eleitoral e pode servir de modelo para o mundo. Graças a ela evitou-se um jogo sujo de transferir dinheiro público para municípios nesta época de eleição a pretexto de financiamento de obras e com o constrangimento de um parecer da Advocacia Geral da União. Graças a ela cortaram-se mais de seis mil cargos de vereador, apesar das manobras de alguns parlamentares. Por decisão sua, são caçados alguns eleitos irregularmente.
Agora, nesta fase que se antecipam as eleições para vereadores e prefeitos, a Justiça Eleitoral vem fazendo um trabalho educacional, concitando os eleitores a votarem pensando em suas cidades e a valorizarem seus votos com mensagens muito bem produzidas e divulgadas pela televisão. É um trabalho que merece reconhecimento e elogio.
Infelizmente, o Poder Legislativo não tem dado ao País a reforma política necessária e que serviria de base maior para a Justiça Eleitoral e para o aprimoramento do nosso regime democrático. A resistência do Poder Legislativo, nesse ponto, mostra ainda a mesquinhez cultural e cívica da maioria dos parlamentares e o descompasso de sua atividade com a necessidade de desenvolvimento político da nação.
Recentemente, alguns juízes eleitorais, diante das notórias deficiências de candidatos a vereador, como boa medida, submeteram-nos a testes mínimos de escrita que confirmaram suas carências, assim negando seus registros, embora órgãos superiores tenham reformado suas decisões por entendimento diverso. Os candidatos não souberam nem assinar corretamente o nome. Imagine se o teste fosse de leitura e interpretação de texto.
Pode um legislador não saber ler? (ler não é soletrar). Como ele se informa? Pelo rádio, pela televisão? Esses meios bastam? E sobre os projetos de lei ou as leis já existentes? Por seus assessores que serão seus guias?
Certamente não é a habilidade de redação nem a de leitura e interpretação de texto, como a mais profunda erudição, que farão, por si, de um candidato um bom vereador. Outros predicados lhe são necessários: civismo, em primeiro lugar. Mas a carência de linguagem escrita e oral revela um estágio de subdesenvolvimento inadequado para um legislador.
Carlos Magno, o “rei dos francos”, tinha dificuldade de escrever. Mal garatujava as tabuazinhas que tinha por baixo dos travesseiros. Mas foi grande chefe de estado. E dizem os historiadores que supria, em parte, sua falta de conhecimentos com a leitura feita por outros enquanto tomava banho ou estava na cama. E tinha longas conversas com o sábio Alcuíno.
Ora, mas era Carlos Magno e não esses aventureiros que tentam uma sinecura com um mandato de vereador.
Ribamar G. Ferreira é advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná.