Carlos Lira, PAC da Educação e TV Pública

Carlos Lira veio a Curitiba cantar no Sesc da esquina. Estive lá. Entrou no palco e começou a contar a história da bossa nova e de suas parcerias entre os anos de 1956 e 1964. Desfilaram músicas com Geraldo Vandré, Vinicius de Moraes e tantos outros gênios. Quando então, num dado momento, parou e de forma emocionante disse: ?minha gente, naquele tempo o Brasil vivia uma explosão intelectual e cultural?.

Ele descreveu a galeria de homens e mulheres que emergiam na música, nas artes, no teatro, literatura, educação, direito, política, economia e em outras atividades. E, de forma entristecida, afirmou ao publico: ?como o arbítrio fez mal ao Brasil, pois interrompeu a democracia que fazia nascer e aflorar a inteligência e o saber, e nos fez viver estes tempos de ignorância, desqualificação, para não dizer de purgatório?. Foi interrompido e aplaudido pela platéia do teatro, que estava lotado. Neste momento, lembrei de Perry Anderson, historiador inglês, que nos ensinou que a Guerra Fria, após a 2.ª Guerra Mundial, trouxe a repressão aos partidos políticos, ao poder legislativo, aos movimentos sociais, sindicais e culturais do mundo todo, afastando da atividade algumas gerações de homens e mulheres.

Perderam os democratas, perderam os liberais, perdeu o mundo todo. A política partidária, sindical, social e cultural, perdeu em qualidade. Ainda vivemos as conseqüências desse tempo e colhemos seus frutos, tendo que suportar viver ao lado dos subprodutos deste tempo. É de dar náuseas. No lugar dos afastados, dos exilados, dos presos e dos mortos, vieram as pessoas sem participação coletiva que têm povoado as atividades e as instituições, pensando somente em si, na sua paróquia ou em sua corporação, deixando os interesses da sociedade e da nação em último plano.

Pessoas que são fruto da reforma do ensino feita naquele momento, o que trouxe o declínio da cultura geral, como nos ensina Allan Bloom em seu livro A Cultura Inculta, pois acabou com o debate democrático. Instrumento fundamental na formação do saber como nos ensina Foucault, falando sobre a Teoria do Conhecimento de Nietzsche, quando nos diz que o conhecimento está próximo ao conflito, o qual a Igreja reconhece como justo na Encíclica Centesimus Annus, quando serve para buscar a justiça social.

E acoplado a isto, foi montado uma estrutura privada dos meios de comunicação, através de concessões públicas que massificou desejos de consumo para o mercado sobrepondo os interesses e valores para a construção de uma sociedade e de uma nação, recebendo fartos recursos públicos para silenciar sobre os escândalos que levou o país ao endividamento – fruto de desvios, de projetos impostos de fora, de privatização lesa-pátria para a concentração da riqueza desde o período do arbítrio.

Estamos aí, neste purgatório, como nos faz ver Carlos Lira, assistindo através dos meios de comunicação privados – frutos de concessões públicas por apoiar projetos de interesse privado escusos – a dança da garrafinha, a indução de valores de consumo que objetiva sensualizar a adolescência, destruir a infância e criminalizar todos aqueles que lutam por justiça social e pelos direitos humanos.

Assim devemos compreender que a interrupção da democracia teve como conseqüências a saída de algumas gerações de circulação e a perda em capital humano em todo o mundo. Pagamos por isso até hoje. A democracia continuada está trazendo o controle da sociedade sobre a estrutura pública, a distribuição da renda, um novo plano de investimento na educação e a abertura de uma importante discussão sobre o papel da televisão pública e das concessões dadas sem uma contrapartida de responsabilidade com a nação.

O que nos faz entender que vivemos neste purgatório, como nos fez sentir Carlos Lira. Mas que podemos ter esperança, pois estamos mais próximos do céu do que do inferno. ?Se não nós, Carlos Lira, pelo menos nossos filhos e netos.?

*Dedico este artigo ao Leo de Almeida Neves e ao meu pai João Serathiuk, homens que viveram a democracia e lutaram no mesmo tempo contra a ditadura, mas que tiveram suas vidas interrompidas – um pelo afastamento pelo arbítrio e o outro que morreu triste sem poder ver seus filhos voltarem da prisão e do exílio depois de 10 anos de espera.

Geraldo Serathiuk é delegado Regional do Trabalho do Paraná.

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