Carceragens do Paraná em condições sub-humanas

Cárceres em delegacias de Curitiba, região metropolitana e litoral do Estado relembram antigos campos de concentração, com torturas, violência e insalubridade.

Essa é a visão do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cléverson Marinho Teixeira.

Em entrevista a O Estado, Teixeira comentou sobre as condições sub-humanas às quais presos de delegacias são submetidos, constatadas após uma vistoria feita pelo órgão em cárceres dessas três regiões. Para ele, é inadmissível que cumpram penas em cárceres onde a reclusão não deveria passar de uma semana.

O Estado –
Como a OAB avalia o estado das carceragens de Curitiba, região metropolitana e litoral após as vistorias feitas pela comissão?

Cléverson Teixeira – Chegamos a visitar alguns presídios do Estado, mas a preocupação maior está nas carceragens. Todas apresentam condições sub-humanas. Nos cárceres, o número de prisões tem aumentado em consequência do crescimento da violência. O Estado não tem uma estrutura preparada para absorver este aumento. Outro problema está no efetivo da polícia. O número de policias não é suficiente e, aqueles que cuidam dos presos não estão suficientemente preparados. A Polícia Civil é investigativa, deveria trabalhar no procedimento dos fatos e não voltar sua atenção aos cuidados dos presos. Ao deixar de investigar, a polícia não esclarece os crimes e, ao não esclarecer, estimula a prática de novos delitos, pois as pessoas acabam não tendo a consciência de que a ação errada gera um processo e uma pena. Por fim, as delegacias não são lugares sequer para prisões provisórias e muito menos para abrigar presos definitivos, conforme acontece.

OE – Quais são as condições precárias em que os presos vivem nessas delegacias?

CT – Trata-se de uma condição macabra, insalubre e fétida. Existem superlotação, doenças, a alimentação é precária e sem higiene. Nos cárceres há presos de diversas origens e estágios processuais. Verificamos também que a população carcerária se revela de baixa escolaridade e idade entre 18 e 24 anos. Isso demonstra que a nossa sociedade está precisando de muito empenho para resolver os problemas de classe social e de família. A violência atual é fruto da precária educação que tivemos há 20 anos. Sabemos que os problemas da sociedade são inúmeros, mas o ser humano é o mesmo. Em qualquer hipótese sua educação é decorrente da maneira como ele foi criado. Se as pessoas são capazes de coisas boas e de chegar às mais elevadas atividades, não há razão para termos criminosos. Acho que é possível mudar tudo isso, mas precisamos de muito empenho e transparência. As nossas casas legislativas são parlamentos, mas será que esses problemas estão sendo realmente discutidos nessas casas parlamentares?

OE – As celas modulares realmente seriam a solução para resolver o problema de superlotação?

CT –
As celas modulares são uma solução emergencial. Não sei o que seria mais viável: construir as celas modulares ou um prédio apropriado. Essas celas são uma forma de acomodação dos presos, mas que não trazem uma solução definitiva.

OE – As teleconferências foram cogitadas como uma solução para realização de interrogatórios sem a necessi,dade de transporte. Isso realmente é útil?

CT –
Isso eu gostaria de saber do próprio Poder Judiciário. É preciso que manifeste a certeza de que essa é uma maneira prática e objetiva de se convencer ou se averiguar com a profundidade necessária o julgamento do ocorrido. Se a percepção do julgador não estiver prejudicada com esse sistema, não vejo problema, mas gostaria que ele se manifestasse se há prejuízo ou não. Útil ela é, mas se esgota todos os meios e pressupostos para um julgamento o mais seguro possível, é questionável.

OE – As prisões do Paraná cumprem com o objetivo de reformar os infratores durante o período em que ficam presos?

CT – O sistema penitenciário brasileiro como um todo é precário. A prova disso é que não ouvimos falar sobre os trabalhos de reabilitação feitos dentro desses locais. Ainda precisamos de educação, saúde e trabalho dentro das penitenciárias. Essa é a única maneira de se recuperar o preso, inclusive de prepará-lo para o dia em que sair. Com esse trabalho o preso ainda pode ajudar sua família aqui fora. Essa é uma questão de organização, empenho, filosofia, trabalho e educação. Devemos focar nisso, não vemos as pessoas discutirem sobre essas atividades. Vejo apenas a nossa comissão tocar nessa questão. Precisamos dessa discussão em grandes fóruns da sociedade, bem como nas universidades.

OE – O que a OAB diz sobre aqueles que afirmam que a Ordem está mais preocupada com os presos do que com os cidadãos de bem, por estudar a situação das carceragens?

CT – Essa visão é equivocada. Todos os seres humanos têm condições intelectuais e sentimentais. Não posso premilinarmente separá-los de bons e maus elementos. Temos que verificar quais condições levaram o cidadão a praticar o crime, bem como a maneira de recuperá-lo. Mas, se não agirmos dessa forma com relação ao sistema carcerário e penitenciário, a violência vai crescer cada vez mais. É ilusório pensar que tratar mal o preso não vai afetar a minha vida. Não há como esconder debaixo do tapete esse tipo de coisa; por mais que não queiramos enxergar, de uma forma ou outra nós vamos acabar sentido. Por que a comissão tem aparentemente uma dedicação maior a essas questões de cárcere? Porque isso está se tornando cada vez mais agudo. Os direitos humanos estão sendo cada vez mais violados pelas condições sub-humanas em que esses presos vivem. Condições, inclusive, que reportam à idade média ou até mesmo aos antigos campos de concentração, com torturas e violência. Será que vamos aceitar isso na nossa sociedade?

OE –
Quais foram os resultados que os relatórios feitos pela comissão já alcançaram?

CT – Sempre entregamos os relatórios para as autoridades. Esperamos que possam se debruçar sobre esses dados, pois são relatórios bastante completos e que não se restringem em apresentar a realidade, mas também em diagnósticos e algumas soluções. Já houve algumas audiências públicas sobre segurança pública, mas não com o foco no sistema penitenciário. Acho que nosso relatório merecia uma atenção maior, especialmente do nosso parlamento. Esse é um relatório que não foi feito para criticar o governo, mas para tentar achar uma solução. Reunimos a sociedade, apontamos os problemas. E agora? Queremos que a democracia funcione. Essa é a nossa missão: fazer com que o Estado cresça, sem críticas a ninguém; todos temos uma dose de culpa nisso. A insegurança e insatisfação estão estampadas na cara da sociedade..

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