A certeza do ministro-chefe da Casa Civil do governo de Lula pode ter começado a fenecer a partir do momento em que, de Norte a Sul, passou-se a repetir a afirmação do “capitão” do time: “Eu não vou sair do governo”, com que abre a entrevista dada à revista Veja da semana. Que ele não queira sair, é natural. Que ele não vá sair, é arrogância e prepotência. Para livrar o governo a que serve e que – não há dúvida – ajudou a construir, Dirceu já devia ter se afastado esperando a borrasca do Waldogate passar. Ficando, e sugerindo atos públicos em seu próprio desagravo, e fomentando o desvio do debate para a área econômica, apenas complica mais as coisas. E cava seu próprio buraco, já mais fundo com essa complicação surgida com o monopólio dos planos de saúde no setor público federal, concedido à Fundação de Seguridade Social – Geap.
Ninguém tem dúvida de que, desde o início, ele era o homem forte do governo. Mas foi exatamente aí que residiu seu maior erro. Concentrou poderes demais, ordenava à direita e à esquerda, foi perdendo a humildade dos iniciantes bem intencionados e, do alto de seus 40 anos de serviço público (dizem que neste tempo inclui 10 que passou como dono de loja no interior do Paraná), julgou-se superior aos fatos que já conhecia (o que resta saber é se deles não participava) mas não lhes deu a devida importância.
O ex-guerrilheiro colocou a Nação na crise em que se encontra. Em vez de discutir empregos, salários e o crescimento sustentado da economia (já nem se fala dos que têm fome, nem dos que mitigam saúde, segurança, habitação), estamos a discutir os motivos pelos quais o governo do PT, que sempre arrotou ética e moral, agora é contra investigações parlamentares de fatos que, segundo diz em sua defesa, aconteceram antes da posse do governo que aí está.
Só temem a investigação os que sabem que têm culpa. Assim, é lícito imaginar, também por outros motivos, que José Dirceu escamoteia a verdade quando diz que dormia o sono dos anjos enquanto seu braço-direito há 14 anos descia ao submundo da jogatina para cometer extorsões, arrecadava fundos de campanha, negociava em nome do Estado e, ainda de quebra, pedia algum para seu caixa pessoal. Que, talvez (também é lícito pensar) não fosse tão pessoal assim.
O governo resolveu – para repetir o jargão do momento – blindar José Dirceu. E na obra de blindagem fez como o marido traído: vendeu o sofá da sala, isto é, mandou fechar bingos e caça-níqueis, esquecendo as outras partes da jogatina nacional, como o jogo do bicho e quejandos. Esqueceu, também, que o que produz o estouro é o represamento da pólvora. E quanto mais blindados o episódio e seu protagonista, mais explosivo passou a ser o assunto. Já entrou no circuito o próprio PT que, pelo visto, não se desacostumou do comando do ex-presidente Dirceu, e num de seus últimos atos acabou mexendo noutro foco de intriga intestina: quer mudança na política econômica, exatamente o que queriam os que foram expulsos com a conhecida ajuda do poderoso ministro. Está aí o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a pedir que Genoino controle o PT para que o PT não continue a contribuir pela desestabilização do governo.
A cada passo que dá na direção oposta àquela em que devia caminhar (a transparência dos fatos, sua apuração e completa responsabilização de implicados, sejam eles quais forem), mais se afunda o governo nessa areia movediça da desconfiança e da lama suja da corrupção. A Polícia Federal, chamada à investigação restrita, já anuncia greve geral, o que significa dizer que ficarão paradas todas as iniciativas que se arrastam nos diversos inquéritos abertos. Enquanto isso, meliantes com certeza destroem provas que – repetimos ser lícito imaginar diante dos fatos como estão – incriminariam o próprio governo que aí está, e que usa todas as energias de que dispõe para evitar a instalação de CPIs. E Dirceu repete que não sairá do governo. Mas até quando?