Foi intensa e inusitada, mas com propósito e eficiência a reação da sociedade mediante suas instituições, em primeiro lugar a Igreja, a ponto dos presidentes das mesas diretoras da Câmara e do Senado, além dos desenxabidos parlamentares defensores do esfuziante teto de R$ 24,5 mil legislado em causa própria, procurarem dar o dito pelo não dito e transferir o imbróglio para o próximo Congresso. Uma autêntica camisa de onze varas.
A liberalidade absurda autoconcedida pelos pais da pátria, igualando seu salário ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), únicos servidores públicos acalentados pelo teto salarial (embora no Poder Judiciário haja outros três mil ganhando mais), teve a efêmera duração extinta pelo próprio STF, ao considerar inconstitucional a medida de elevar salários por acordo de lideranças, sem passar pela aprovação do plenário de ambas as Casas.
Poucas vezes se viu protesto da sociedade ganhar tamanha dimensão como no caso em tela, ao ficar patenteado o gesto de menosprezo aos cidadãos de segunda classe, em benefício dos quais ainda está em discussão o acordo para fixar o salário mínimo de R$ 380. Nesse aspecto, o ministro Guido Mantega, investido das funções de supremo guardião do Tesouro, revive os piores momentos da República exercitando viés autoritário que se queria superado, ao não arredar pé dos R$ 367 fixados na proposta original do Orçamento.
Populares se postaram no saguão do Aeroporto de Brasília para oferecer óleo de peroba a deputados e senadores, houve apupos e sopapos nas diplomações e abaixo-assinados correram o País. Bispos e padres incluíram o tema nas homilias e, mais uma vez, a imprensa teve desempenho à altura do papel de fiscalizadora dos atos de agentes públicos.
A bem da verdade, é preciso esclarecer que alguns partidos e parlamentares, em particular, repudiaram o aumento de 91% sobre os salários. Aliás, esse foi o caso do PPS, que, ao lado de outros grêmios políticos, patrocinou a iniciativa de ingressar no STF para argüir a constitucionalidade do aumento, provocando incontinenti pronunciamento da corte.
Levados literalmente às cordas pelo indisfarçável antagonismo popular, os presidentes da Câmara e do Senado e os acólitos da gorda promoção salarial, líderes partidários que referendaram o acordo da semana passada – o pensamento da Casa -, como afirmara com ar magisterial o senador Renan Calheiros, encolheram-se como coelhos e fizeram das tripas coração para passar a batata adiante.
Foi de uma candura ilimitada ouvir do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), presidente da Câmara, depois da missa alusiva ao término dos trabalhos legislativos de 2006, diante da reprimenda do bispo Braz de Aviz, que o mesmo formulara a apreciação com ?palavras benditas?. Curioso é que, pouco antes de entrar na igreja, Rebelo defendia com unhas e dentes – quem disse que comunista não gosta de dinheiro? – o pantagruélico repasto mensal de R$ 24,5 mil.
A vergonheira foi de tal monta que se imaginou como medida compensatória a abolição do 14.º e 15.º salários (um no começo e o outro no final do ano) e da verba indenizatória de R$ 15 mil para cobrir despesas na base eleitoral e restringir o aumento para a inflação dos últimos quatro anos. Nem isso adiantou e a pândega acabou em ressaca.