Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Estas três perguntas atormentam a mente humana há séculos… Talvez milênios… Nós, humanos, necessitamos de definições e referenciais para designar aquilo que denominamos “eu”. Conhecer o passado, nossa origem, nossa história é, de certa forma, responder à segunda pergunta e alicerçar a resposta da primeira. O auto-conhecimento facilita o planejamento do futuro, para que possamos definir objetivos, para ter planos e realizar escolhas conscientes. É fundamental conhecer o próprio potencial e as próprias limitações para o bom desempenho em qualquer área, tanto em aspectos pessoais como profissionais.
A primeira pergunta, “Quem sou eu?”, permite-nos fazer certas considerações: somos a imagem que vemos no espelho, a imagem mental que fazemos de nós mesmos ou a imagem que os outros fazem de nós? Provavelmente somos as três coisas simultaneamente. Tudo o que pensamos faz parte do “eu”, mas existem instâncias do “eu” que não podem ser percebidas pelo pensamento consciente. Isso significa que temos uma bagagem inconsciente que faz parte de nós e da qual muito pouco poderá ser acessada. A psicanálise auxilia no processo de autoconhecimento justamente ao possibilitar que conteúdos inconscientes aflorem com mais facilidade. A associação livre tem como regra única a de falar sem censura tudo o que vier à mente. Muito mais do que os conteúdos, é considerada a forma como estes são apresentados. Um mesmo fato, por exemplo, pode ser narrado das mais diversas formas, dependendo de como o sujeito sente e vive, de um modo geral, e especificamente aquela a situação. Assim, não importa de quê o paciente fale, a forma como fala diz respeito a ele. É dada especial atenção para pausas, negações e atos falhos (troca de nomes, palavras etc.) por meio dos quais o analista pode descobrir sobre o quê o sujeito não quer falar. alguns Outro caminho é a análise dos sonhos, cujas interpretações levam ao descobrimento de desejos reprimidos, entre outros conteúdos. No entanto, deve-se evitar a interpretação dos sonhos de forma generalizada, a partir de crenças ou simbolismos que, muitas vezes, não se relacionam com aquele sujeito especificamente, tampouco com o momento que ele está vivendo. É importante que a interpretação seja contextualizada. A meditação é uma prática que permite o autoconhecimento a partir do desvendamento de algo interno. O contato íntimo consigo, resguardando-se de estímulos externos leva ao encontro de instâncias do “eu” que não se manifestam no dia a dia. Embora seja extremamente útil, inclusive na prevenção e tratamento de doenças orgânicas, a meditação não permite que o sujeito se conheça em termos de funcionamento psíquico, ou seja, saber os porquês de agir de tal e qual forma. Isso pode ser obtido escrevendo um diário, onde exprime-se os sentimentos e tudo o mais que vier à mente – um escrita em associação livre, sem censura, como se narrasse em uma sessão de análise. Obviamente a interpretação será muito limitada, pois é o próprio sujeito a se auto-analisar.
A Segunda pergunta, “De onde vim?”, exprime a necessidade natural do ser humano de saber quanto à sua origem. A origem familiar, a história que ouvimos sobre nossa família, nosso pais e a nossa chegada, servem de alicerce para que possamos construir a versão que nos acompanhará. Verdadeira ou não, será o referencial de passado a partir do qual a identidade é construída. Muitas angústias e dificuldades relacionam-se à história de nossa vida e à forma com que encaramos os fatos passados. Mudar os fatos não é possível, mas, por meio da análise, é possível reescrever essa história, interpretando-a e compreendendo-a, fazendo com que o presente se torne menos angustiante. Isso ocorre, por exemplo, com relação a traumas: o paciente relembra e narra os fatos traumatizantes, elabora-os e reconstrui sua história a partir de uma nova perspectiva, libertando-se. Ainda assim, muitas vezes temos a impressão de que falta algo no passado; algo que antecede o próprio nascimento. Este vazio pode ser preenchido conforme as crenças do sujeito e suas necessidades de conhecimento. Há quem se satisfaça ao conhecer a história dos antepassados: origem, migrações, sobrenomes etc. Outros, no entanto, têm uma necessidade maior no âmbito da metafísica: a origem da humanidade e a origem do universo; podendo buscá-la na Ciência ou na Religião. Mas existe também uma necessidade de conhecer o “eu”, individual, antes do nascimento, motivada pela crença na reencarnação. Para esta, a Terapia de Vidas Passadas ou Regressão é o método indicado. Deve-se tomar alguns cuidados para que essa crença não se torne uma obsessão, levando o sujeito a fugir do momento presente e a viver um mundo de fantasia estabelecido em uma suposta reencarnação ou ainda jogando todas as responsabilidades para o passado. Por isso, é necessário que o trabalho de regressão seja realizado dentro de um contexto terapêutico, vinculando os conteúdos de vidas passadas ao que se vive no presente da mesma forma que se faz com as memórias (ou histórias contadas) da vida atual, como as da infância. Dentro de um tratamento, o sujeito é levado a assumir a responsabilidade por suas escolhas, sejam recentes ou não, de maneira a arcar com as conseqüências de seus atos. De um modo geral, as pessoas que se submetem a esse tratamento passam a viver o momento atual com mais tranqüilidade, aceitando melhor as limitações e outras vicissitudes da vida. Adquirem maior compreensão e tolerância, além de diminuir os medos relacionados à morte, ao futuro etc.
A terceira pergunta, “Para onde vou?”, talvez seja a mais difícil de ser respondida. É certo que não podemos prever o futuro; no entanto, podemos planejá-lo, estabelecer metas e planos. Para isso é imprescindível saber onde queremos chegar e, obviamente, qual é o ponto de partida. Conhecendo “eu” no momento presente, com suas virtudes e limitações, libertando-se de âncoras do passado e das inseguranças quanto ao futuro; é possível estabelecer planos realistas e alternativas viáveis para o que se almeja. Estabelecer metas realistas, dentro daquilo que é possível obter, a partir do que se tem é fundamental para evitar decepções futuras. É muito importante saber o que é possível fazer, em quê nos damos bem e o quê não temos condições (ou aptidão) para realizar. Em alguns casos, o auto-conhecimento obtido pelo processo analítico (ou outra linha psicoterápica) pode levar o sujeito a rever sua carreira, descobrindo que deveria buscar outra profissão. É comum que o sujeito depare-se com sua verdadeira vocação ou descubra que os motivos que o levaram à escolha anterior refletiam os desejos de outras pessoas (por exemplo, dos pais) em vez dos próprios. Ao se apropriar de seus desejos o sujeito poderá escolher de forma mais consciente e permitir-se a realização. Pode, então alcançar os objetivos que estabeleceu para sua satisfação, libertando-se das desculpas e justificativas que o impediam de progredir.
Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Talvez nunca seja possível conseguir responder satisfatoriamente às três perguntas, porém, as respostas parciais obtidas podem ser de grande valia para nosso progresso e realização pessoal.
Priscila de Faria Gaspar
é mestre em Ciências da USP Psicanalista e Terapeuta de Regressão.