A visita do papa à América Latina, elegendo o Brasil como o ponto de encontro com fiéis e bispos do continente e do Caribe, foi um acontecimento histórico e de larga repercussão. Basta rememorar a gigantesca mobilização de fiéis, religiosos e autoridades que marcou o encontro, para entender que a visita de Bento XVI significou um capítulo importante tanto para a Igreja Católica quanto, e principalmente, para os que receberam o sucessor de Pedro com tanto fervor e festa. A visita serviu, antes de mais nada, para marcar a posição conservadora da igreja sob Bento XVI, posição aliás que se manteve no papado de João Paulo II.
Sob este aspecto, é certo que não foi um ?sim? à resposta dada aos movimentos que hoje existem na igreja em toda a América Latina e no Caribe, numa região pobre vizinha ao mundo rico da América do Norte. E, por ser pobre, região onde temas como a globalização, a exploração econômica, a reforma agrária, as distâncias entre pobres e ricos, a persistência da pobreza em meio à opulência e os atuais modelos de gestão econômica e social reclamam da igreja uma tomada de posição que não signifique apenas uma opção declarada, mas decisões que possam influir no caminho de países de governo laico, como o nosso e os demais da região.
Bento XVI imprimiu à sua visita e quer imprimir à igreja do continente um sentido pastoral, de conquista de novas almas e confirmação das já conquistadas. Ele exige uma igreja submetida aos seus dogmas mais antigos e caros e aos costumes conservadores que marcaram o pontificado de seu antecessor e têm continuidade no seu. Quem esperava que a ?opção pelos pobres? pudesse significar um apoio aberto e militante aos movimentos de reforma agrária, socialização de meios de produção, desenvolvimento de programas econômicos afastados do liberalismo e do capitalismo para poderem atender às massas alijadas dos benefícios do progresso, certamente acabou frustrado. Evangelizar é a ordem papal. E evangelizar dentro dos cânones conservadores da Igreja Católica, universal, com o clero celibatário, as mulheres não autorizadas ao sacerdócio e outras mudanças consideradas avanços que o papa desde logo descartou.
No que toca ao posicionamento da igreja a respeito de problemas como a natalidade, o aborto, a eutanásia e outros que estão em pauta e já movimentam governos e recheiam programas de movimentos no seio da sociedade, a igreja não se manteve neutra. É absolutamente contra os meios artificiais para evitar a concepção, inclusive o uso difundido de pílulas e camisinhas. O aborto continua considerado crime, pois a vida é dada por Deus e só a ele cabe tirá-la. O mesmo se pode dizer da eutanásia, a morte induzida, mesmo que apresente o argumento indulgente da caridade.
Pode-se afirmar – e nisto não vai nenhuma crítica, mas apenas reconhecimento – que o papa Bento XVI pediu um retorno às origens aos movimentos ditos progressistas que se desenvolvem dentro da igreja com a intenção de obter avanços considerados relevantes. A igreja do novo papa é a velha igreja de estamentos rígidos e dogmática.
Análises já permitem imaginar que, depois da visita papal, o clero que ele reuniu e instruiu vai formar grupos em oposição, o da igreja progressista e o da conservadora. Aquela, sabendo que tem as bênçãos do pontífice e esta, senão a sua condenação, pelo menos a sua crítica e o não-reconhecimento de que os caminhos que pretende seguir signifiquem obediência às suas ordens de que se faça evangelização para fortalecimento da maior religião do mundo.