Camelôs da cultura

Outro setor a reclamar das mudanças vislumbradas por aquilo que restou da proposta de reforma tributária é o da cultura. E não é à toa que o presidente Lula vem recebendo em seu gabinete alguns representantes da classe artística, preocupados com o andar da carruagem. Tudo tem a ver com as mudanças que, na prática, poderão extinguir parte dos mecanismos que hoje se convencionou chamar genericamente de Lei de Incentivo à Cultura. O texto aprovado prevê a extinção das leis estaduais de incentivo nos próximos três anos.

Antes de mais nada é preciso que se diga que esse mecanismo de renúncia fiscal – que alguns exegetas legislativos garantem ser inconstitucional – tem gerado aqui e acolá muita obra e muito espetáculo de péssima qualidade. Isso deve ser creditado à facilidade com que a forma de captação dos recursos contempla os mais espertos ou os mais “amigos do rei”, não necessariamente os mais preparados. Quem dedica tempo na elaboração de bons projetos geralmente acaba perdendo a vez para quem chega primeiro com qualquer proposta. Mas isso não inviabiliza a idéia, até aqui ainda a que mais fomentou a cultura de norte a sul, incluindo aquela regional e local, tão importante quanto os megashows ou megaespetáculos.

O assunto deve, com justeza, preocupar os que se dedicam à produção cultural. A começar pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, que entre seus cabelos trançados começa a perguntar onde fica a cultura neste nosso Brasil do Lula, para avisar que pretende “ser o ministro da Economia da Cultura, o ministro do Sistema Nacional da Cultura e não apenas o ministro das leis de incentivo”. Seu secretário-executivo, Juca Ferreira, é mais explícito e adverte: “Não podemos eliminar algo que teve um papel histórico tão bom no apoio à cultura regional no País”. Se isso acontecer será uma “catástrofe”, pois sem os mecanismos em vigor “não há como pressionar os governadores e prefeitos a investir em cultura”.

É verdade que, conforme as disposições da reforma tributária aprovadas, os governadores poderão, “a seu critério”, destinar por meio de outro mecanismo 0,5% da arrecadação do ICMS para o setor cultural. Sem obrigatoriedade, entretanto. Embora em alguns estados, como São Paulo, os famosos incentivos não venham sendo utilizados desde 1998, Juca observa que nos últimos dez anos muitos governos não deram nem pelotas, nem recursos para a área cultural. Como na canção, a gente não quer só comida, não quer só trabalho: quer também cultura e arte.

Articulados em torno de preocupações comuns que, na verdade, nasceram com a malograda tentativa do governo Lula de condicionar (ou instrumentalizar) a concessão de incentivos, artistas do Brasil inteiro marcaram uma reunião para o final do próximo mês de outubro. Além da questão dos incentivos ao setor, já estão de olho na outra reforma em curso – a trabalhista. Montar espetáculos é uma atividade que também gera empregos. Ou subempregos, a considerar a incerteza, sempre presente, do sucesso de bilheteria. Assim – como em tantas outras áreas -, muitos serviços acabam sendo prestados informalmente, para escapar de encargos e tributos. O setor reclama que na indústria naval, na de papel e na própria televisão, bem mais estruturadas que pequenas companhias de teatro, há incentivo fiscal escancarado. Por qual razão os “camelôs da cultura” têm que pagar o mico? Nossos artistas querem, assim, discutir por inteiro toda a política (ou uma legislação específica) de produção cultural do País.

A organização dos que se ocupam da cultura no Brasil está acontecendo, assim, de viés, na atropelada carona das reformas. E não é exatamente essa a melhor forma de resolver o problema.

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