Podem morrer de inveja. Eu tenho, dentro de casa, um apagão particular. E ele não acontece uma vez a cada 26 anos, como nos Estados Unidos, e sim quase todo dia, no meu computador. Por alguma conexão malfeita, ou por excesso de carga no coitado do meu estabilizador, vira e mexe o bicho dá um grito, sai uma fumacinha da tomada e pof!, tudo se desliga. Geralmente isso acontece quando estou terminando de escrever algum texto sem no entanto tê-lo salvo. Resultado: por conta disso, lá vou eu começar tudo de novo.
Se para mim, no aconchego do meu lar, é complicado, imagine para cinqüenta milhões de pessoas, como foi o caso do apagão da semana passada na costa leste americana e nas duas maiores províncias do Canadá. Simplesmente “pararam” com a mais importante cidade do planeta, que é Nova York. Prejuízo de mais de 30 bilhões de dólares porque houve uma sobrecarga e tiveram que interromper a produção de energia em 21 usinas ao mesmo tempo.
Incrível, não? Mais incrível é que uma potência como os Estados Unidos não consegue se preparar para um problema desses, difícil de acontecer, mas previsto: se você usa energia elétrica, corre o risco de ficar sem ela. Não havia um sistema emergencial de fornecimento em uma cidade como Nova York, que depende visceralmente de energia, assim como qualquer outra cidade dos Estados Unidos, do Brasil ou de Lesoto.
E o pior: nós não estamos preparados para ficar sem energia. São as televisões, os computadores, os aparelhos de som, os telefones sem fio de nossas casas, os fornos de microondas, as geladeiras, as máquinas de lavar e secar, tudo isso só funciona com uma tomada ligada. E como carregar a bateria do telefone celular? E os palmtops? Criamos um mundo com todas as facilidades, mas não sabemos nos arrumar sem elas.
Já imaginou viver na década de 30? Eram poucos telefones, alguns rádios, eletrolas e a luz das lâmpadas. E só. Para escrever? A máquina. Para cozinhar? O fogão a lenha. Para lavar? O tanque e as mãos. E para falar com as pessoas? Cartas e as cada vez mais raras conversas. Sim, porque você se relaciona via internet ou mesmo por ?torpedos? de celular.
Essa é outra grande conseqüência dos avanços tecnológicos, nós estamos gradualmente diminuindo o nível de aproximação com as pessoas. Somos ligados com muita gente, mas não estamos perto de ninguém. “Ah, mas você está a um clique de distância de qualquer parte do mundo”, alguém diria. Só que estamos a quilômetros de distância de relacionamentos verdadeiros.
E a nossa Calcutá tecnológica vai dar outros sinais de esgotamento. Não serão pontuais, e sim constantes os sustos que a falta de energia nos dará. E aí nós vamos ter que contar com os nossos esforços para resistir às dificuldades, e se possível olhar o lado positivo da história, como fez um nova-iorquino na noite do apagão. “Quando a gente tem a oportunidade de olhar para o céu de Manhattan e ver só estrelas?”, disse o cidadão, com força poética igual à de Rodgers e Hart em um tempo em que não se precisava de luz para pensar, e para sonhar.
Cristian Toledo
(esportes@parana-online.com.br) é repórter de Esportes em O Estado.