Cadeira de dentista é desconhecida por 27 milhões

O consultório odontológico ainda é um lugar desconhecido para 27,9 milhões de
brasileiros. Segundo o IBGE, 15,9% da população nunca foi ao dentista. Em 1998,
o quadro era ainda pior: 18,7% nunca tinham sentado numa cadeira
odontológica.

A redução foi maior entre os mais pobres, mas os números
retratam uma parcela significativa da população ainda excluída de um dos
serviços básicos de saúde. Na faixa de renda familiar de um salário mínimo, a
proporção dos que jamais viram um dentista chega a 31%. Nas famílias com renda
acima de 20 salários mínimos, esse número é de apenas 2,9%. O problema é mais
agudo no campo, onde 28% nunca fez uma consulta odontológica, do que nas áreas
urbanas, cuja proporção é de 13 6%.

Os números não surpreendem o
presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Norberto Lubiana.
"Historicamente sempre houve um descaso muito grande em relação à saúde bucal do
brasileiro. Falta acesso ao consultório e à informação", afirmou. "Estamos
cobrando dos governos a ampliação dos programas e mais verbas. Temos 11% dos
dentistas do planeta, uma odontologia de alta qualidade tecnológica e um quadro
epidemiológico vergonhoso", classificou Lubiana. Segundo ele, a conseqüência
disso é o desenvolvimento de cáries e inflamações que podem levar a seqüelas
graves, que vão da perda dos dentes até infecções que podem atingir outros
órgãos do indivíduo, sem desconsiderar os prejuízos estéticos e
psicológicos.

O problema é mais grave na faixa etária que é o principal
alvo das políticas de prevenção. No grupo de crianças e jovens entre 5 e 19
anos, 22,1% nunca foram ao dentista. Para o presidente da ABO, ainda falta um
sistema efetivo de prevenção e o investimento na contratação de dentistas e na
compra de equipamentos odontológicos para o serviço público. No entanto, ele
concorda que a ligeira melhora dos indicadores em relação à última pesquisa
revela que os programas criados nos últimos anos estão dando resultado. "Se
houver prioridade, a tendência é melhorar. Na faixa de 5 anos de idade, já temos
hoje uma incidência muito baixa de cáries", disse.

Os Estados do Maranhão
e da Bahia apresentaram a maior proporção da população sem acesso ao dentista:
32,34% e 29,57%, respectivamente. O melhor resultado foi o de Santa Catarina,
onde apenas 9,51% nunca foi ao dentista, seguido por Distrito Federal (9,61),
Paraná (10,07%) e São Paulo (10,36%).

Outro dado que chama a atenção é
que o brasileiro procurou mais o médico entre 1998 e 2003. Entre os
entrevistados pelo IBGE, 62,8% declararam ter consultado um médico nos doze
meses anteriores à pesquisa. Em 1998, esse índice foi de 54,7%. A maior
proporção está concentrada nas faixas etárias extremas, entre os menores de 5
anos (77,7%) e maiores de 64 anos (79,5%). A explicação está no acompanhamento
pediátrico e nos procedimentos como vacinação para as crianças e no tratamento
de doenças crônicas entre os idosos. As mulheres, principalmente na idade
reprodutiva, foram as que mais procuraram o médico: 71,2% contra 54,1% dos
homens. Mais uma vez as desigualdades regionais e de renda aparecem: 64,9% da
população urbana foi ao médico, enquanto esse número ficou em 51,6% na população
rural.

Entre os que vivem em famílias que ganham mais de 20 salários
mínimos, o percentual sobe para 78,3% em relação aos que têm renda familiar de
um salário, cujo índice foi de 58,5%. Curioso é notar que, mesmo dispondo do
acesso ao sistema de saúde particular, quase 22% da parcela mais rica da
população não visitou o médico uma única vez no período de um ano. Nem mesmo
para consultas preventivas.

Às vésperas de completar 80 anos, Iracema de
Souza Thomé não vai a nenhum médico há quatro anos, desde que submeteu-se a uma
operação na vesícula. "Desde criança tenho horror a remédios. Assim como o
agrotóxico parece fazer bem mas enfraquece a terra, o remédio enfraquece o
organismo", diz. Freqüentadora da Igreja Messiância, ela acredita nos benefícios
do Johrei, termo que significa luz e tem por objetivo aliviar os sofrimentos. "A
saúde melhora como conseqüência do Johrei", diz Iracema. Para ela, nem visitas
preventivas ao médico são necessárias. "Tenho ótima saúde, não sinto nem dor de
cabeça. E a gente vem ao mundo com uma data pré-determinada. Ninguém vai me
salvar. Se eu for ao médico, ele vai descobrir tanta coisa que eu vou parar de
viver. Prefiro não ir", argumenta. Na semana passada, Iracema fez alguns exames
para viajar para o Japão numa comitiva da igreja, no dia 2 de junho. "Estava
tudo bem, pressão 12 por 8", comemora.

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