Através de homenagem póstuma ao Dr. Ariosvaldo de Campos Pires, ilustre Advogado militante, então nas Minas Gerais, de cujo convívio o Criador cedo nos privou, inserimos expressões suas a respeito das Cadeias Públicas e sua destinação. Vale a lembrança, em função das preocupações que manifestava quando Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão que presidiu, e foi em sua gestão (março de 2000) que assumimos as funções que hoje desempenhamos junto àquele Colegiado.
Questionamos, destarte, porque no Estado do Paraná (e também em outros Estados), não se procura adotar as medidas preconizadas. As lastimáveis condições das Cadeias, acaso viessem a integrar o Sistema Penitenciário Paranaense poderia, e muito, melhorar o Sistema em questão, para sairmos da situação desumana em termos de tratamento penal, e deixar de lado a hipocrisia de repassar os míseros R$ 2,00 (dois reais) por preso, a fim de atender a sua alimentação diária.
Dizia, pois, o inesquecível Mestre:
"É tempo de construção. E construção envolve reformulação. E para reformular é preciso pensar.
É necessário, com urgência, resgatar a antiga função da cadeia pública, hoje destinada a receber os presos em caráter provisório (art. 102, da Lei de Execução), quando poderia ser preparada para custodiar também os condenados. A maioria deles não precisa ser levada aos grandes presídios. Criminosos ocasionais, melhor que permaneçam na própria Comarca, onde conservam, apesar do crime, vínculos de afeição, importantes à dura travessia para o regime de liberdade.
A experiência que colhemos no Conselho Penitenciário de Minas Gerais é ilustrativa. Os sentenciados, trazidos do seu meio para as Penitenciárias, são os mais avessos às normas de disciplina interna. Retornando ao seu município, mudam de conduta, e aguardam a sua liberdade com resignação e paciência. É incompreensível a idéia de retirar de seu meio e levar à Penitenciária o homicida que matou o vizinho por questões de divisa ou o lavrador que, em um fim de semana, por influência da "cachaçada" eventual, matou um companheiro com quem se inimizou.
A determinação do art. 102, citada, contraria, sob o aspecto finalístico, várias medidas de alto alcance ressocializador, a saber: possibilidade de visita à família e desta ao preso, em face do custo e da dificuldade da viagem (art. 122, I, da LEP); freqüência a cursos profissionalizantes e de outra natureza (art. 122, II, da LEP); possibilidade de trabalho externo (art. 36 da LEP); participação da comunidade na assistência ao preso (art. 81 da LEP).
Mais: em decorrência da norma prevê-se o abandono total para com o aspecto físico de tais estabelecimentos. Disse total, pois o parcial já é uma realidade. Informe da "Assessoria de Pesquisa, Orientação e Publicidade" da Procuradoria da Justiça de MG dá como em péssimo estado 65 cadeias e em estado ruim 47, portanto 112, afora as interditadas, pela ausência de condições de utilização. Se as autoridades comarcãs, tradicionalmente, com raras e honrosas exceções, já não se interessavam pelo destino dos prisioneiros, à natural idiossincrasia a esses infelizes une-se o sentido da Lei que é o de os ter longe de suas Comarcas, recolhidos à Penitenciária distante.
Todas essas conseqüências, advindas do erro básico a que aludimos, convergem ao ponto nuclear do sistema progressivo – a fase do livramento condicional, dificultando a exata avaliação das condições do sentenciado em obter esse importante benefício. A Lei equivocadamente divorciou as pessoas interessadas legalmente no processo de recuperação e reintegração do homem: o MP, porque não pode cumprir as suas atribuições legais: acompanhamento do processo de execução da pena e de visita mensal aos estabelecimentos (art. 68, II e III, parágrafo único da LEP); o Juiz, porque não pode zelar pelo cumprimento da pena, nem inspecionar mensalmente os estabelecimentos penais (art. 66, VI e VII da LEP); o conselho da comunidade, porque não tem como desempenhar o seu importante papel na assistência ao recluso (art. 81, IV, da LEP).
No lugar da construção de estabelecimentos caros, de operacionalidade difícil e de alto custo, via de regra centros avançados de aprendizado do crime e do ilícito, melhor e mais barato fossem as Cadeias Públicas recuperadas. Sob a assistência dos juízes, promotores, e com a ajuda da comunidade, amparado pela família e pelos amigos, seria mais fácil promover a reinserção social do preso.
Recordo-me, quando menino, em minha cidade natal, do trabalho desenvolvido por professoras do Grupo Escolar, de aproximação dos presos recolhidos à Cadeia Pública. As visitas serviram aos escolares para que aprendessem cedo a lição bíblica – estive preso e foste me visitar. Levávamos presentes àqueles infelizes e deles recebíamos o que a sua habilidade e condições permitiam fazer. Esta simples providência, de mestras sensíveis, provavelmente bastava a fazê-los saber que não eram feras, mas seres nos quais ainda se podia confiar.
A Secretaria da Justiça de Minas prestaria um enorme serviço ao sistema prisional se sugerisse ao Congresso Nacional a urgente reforma da lei 7.210, no que se refere à finalidade dos estabelecimentos penais. A partir daí, tudo seria mais fácil". (…)
E concluímos: De igual sorte, aqui em nosso Estado, acaso a Secretaria de Justiça e Cidadania encampasse o desideratum proposto tudo seria muito, mas muito melhor….
(A parte entre parêntesis foi extraída de: PIRES, Ariosvaldo de Campos. Idéias e Vultos do Direito. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 84/86).
Maurício Kuehne é presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná e 2.º vice- presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Professor da Faculdade de Direito de Curitiba.