A cada momento surgem novos defensores da reforma trabalhista, que ao que tudo indica será uma das próximas metas do governo Lula. Todos proclamam a necessidade de revisão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sobretudo empresários, que reclamam do elevado custo da mão-de-obra no Brasil, entendendo que se faz urgente a modificação das normas que regem as relações de trabalho para permitir a competitividade dos seus produtos, sempre sob o argumento de que o principal obstáculo para alcançarem tal objetivo é o quanto cada empregado lhes custa.

Em recente café da manhã com empresários baianos, o ministro do Trabalho Jacques Wagner afirmou que será feita uma “faxina” na legislação, modernizando-a e fazendo-a transparente, para transformar os empregados em colaboradores dos empresários, buscando fortalecer as cooperativas, desonerando a folha de pagamento, produzindo como resultado a criação de novas vagas no mercado de trabalho e trazendo trabalhadores informais para o mercado formal, o que já havia dito antes em São Bernardo do Campo.

Algumas idéias já são divulgadas, como uma nova estruturação para o pagamento dos salários e benefícios, como férias e 13.º salário, pelas micros e pequenas empresas, simplificando os direitos trabalhistas.

Uma só palavra, contudo, não se fala sobre a reforma do processo. Não se quer negar a necessidade de mudanças na legislação do trabalho. As modernas formas de contratação exigem que se incluam na regulamentação atividades que hoje permanecem fora de qualquer amparo.

Claro que também não se deseja discordar daqueles que sugerem a modificação na estrutura sindical como um ponto a ser debatido, tornando legítima e efetiva a representação da classe trabalhadora, exatamente para que possa obter a regulamentação de direitos assegurados na Constituição Federal, a exemplo da garantia de emprego, aliás, numa inexplicável omissão do Congresso Nacional.

Não se pode permanecer com o contrato de trabalho com o mesmo perfil dos anos 40. O mundo mudou e essas mudanças devem ser acompanhadas pela legislação, mas a discussão deve envolver todas as classes interessadas e sem a mágica de soluções prontas. Ao debate sério todos devem ser chamados.

Quaisquer que sejam os direitos a serem deixados aos empregados, todavia, é necessário que sejam tornados concretamente garantidos e que não permaneçam como uma promessa vazia. A sua concretização somente é alcançada dotando-se o processo de mecanismos ágeis de solução que a viabilizem num espaço de tempo razoável e combatam a atuação dos maus empresários que usam a Justiça como instrumento de multiplicação do capital, já que é barato e, portanto, interessante, litigar no Brasil. Por isso as ações judiciais se eternizam, tornando o nosso País recordista mundial em ações trabalhistas. Enquanto aqui se ajuízam cerca de 2,2 milhões por ano, nos Estados Unidos são aproximadamente 75 mil.

Qualquer um que milita na Justiça do Trabalho sabe da dificuldade de se executar uma sentença, tamanhas são as marchas e contramarchas durante o seu curso. Isso sem se falar no desaparecimento dos devedores e na transferência do patrimônio ou na constituição de múltiplas empresas, muitas delas apenas como fachada para impossibilitar o atendimento da condenação. Sócios com patrimônios pessoais de vulto, mas com empresas “quebradas” são realidades encontradas com facilidade.

Não se pode deixar de mencionar a quantidade de recursos que há no processo. Para tudo e por tudo se recorre. São múltiplas possibilidades de retardamento da solução final da ação graças à legislação que privilegia o devedor em detrimento daquele que a venceu e teve reconhecidos créditos que não lhe foram pagos na época própria que, em regra, significa dizer muitos anos antes.

A litigância abusiva é uma realidade, infelizmente em ambos os lados. Tanto o empregado postula o que não tem direito, quanto o empregador provoca incidentes infundados, burlando o dever de lealdade processual e na maior parte dos casos com o incentivo, se não a responsabilidade direta, de advogados, pelo menos de um segmento da classe, o que também é de se lamentar.

O governo que tem o compromisso com o social não pode desprestigiar a Justiça que lida como mais social dos direitos: o direito à alimentação que o salário garante. Portanto, é inexplicável o fato de o ministro do Trabalho não incluir nas suas preleções o fortalecimento da Justiça do Trabalho como uma das metas a serem cumpridas na sua gestão e menos ainda se consegue entender como possa ter sido do governo a iniciativa de retirar de pauta o projeto de lei que amplia o número de varas em todo o País, mais do que necessárias para possibilitar a solução num tempo menos longo, estando sem apreciação da Casa Legislativa. Justiça não tem preço e fazer justiça não pode significar gasto no orçamento. Não se pode medir a atuação do Poder Judiciário comparando-a como se fosse uma despesa que, na atividade privada, pode ser reduzida ou eliminada.

O programa Fome Zero é prioritário no governo Lula, mas a fome também se combate com medidas ágeis de solução de processos. Não se trata apenas da falta de alimentos; também é a fome de cidadania. Por isso todos desejamos que o debate em torno da reforma da legislação ocorra de maneira isenta de paixões e de argumentos falsos, mas, acima de tudo, que também alcance o processo como prioridade e não fique na última gaveta da mesa, cuja chave ninguém encontra.

Cláudio Mascarenhas Brandão é juiz titular da 15.ª Vara do Trabalho de Salvador, professor da FTE e diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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