Alguém, no Palácio do Planalto, disse que as palavras do presidente Lula, pronunciadas nos últimos dias em direção aos jornalistas, encerravam meras brincadeiras. No Paraguai, ele se prontificou a dar entrevistas apenas a jornalistas que demonstrassem defender a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Em Santo Domingo, na República Dominicana, o presidente chamou de “um bando de covardes” os jornalistas que não tiverem a coragem de apoiar a criação do órgão, proposta pelo Executivo ao Congresso Nacional neste momento de blindagens e couraças em torno de condestáveis denunciados mas não fiscalizados.
Dois dias antes, Lula fez outra “brincadeira”. Disse ao presidente da Costa Rica, Abel Pacheco, que esteve recentemente no Gabão – África – para “aprender como é que um presidente da República consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição”.
Dessa última “brincadeira”, já se disse muita coisa. A colunista Dora Kremer, do jornal O Estado de S. Paulo, ponderou que ela mostra a displicência com a questão democrática. Mais: “Zomba da situação interna de um país – se desprezível, por atrasada, foi referendada por sua (de Lula) presença -, e ainda abre guarda a que levem ao pé da letra suas palavras de admiração à longevidade política do ditador”.
Sobre as duas primeiras, dada a importância que o tema assume nos dias atuais, é preciso acrescentar novos comentários. Logo após o presidente ter chamado os jornalistas de covardes, a casa quase caiu, como se diz na gíria, tamanho foi o impacto das infelizes declarações captadas por microfones e câmeras. No meio da algazarra instalada no Congresso Nacional, até a voz da líder do PT no Senado, Ideli Salvatti, foi discordante. “Estamos aguardando que ele retifique as declarações”, disse a senadora, ao condenar a generalização feita pelo companheiro presidente. Pessoas de pouca fala, como Zilda Arns, da Pastoral da Criança, vieram a público para observar que “o presidente não tem que dizer nada para os jornalistas. Ele tem que deixá-los atuar. Já há mecanismos legais de controle do jornalista”.
Pois o presidente não se deu por vencido. E voltou à carga na quarta-feira que passou para transferir o problema à Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas. Disse (ou mandou dizer) que só retirará o projeto (a pressão é geral para que ele retire o projeto enviado ao Congresso, no aceso das denúncias contra o presidente do Banco Central e Banco do Brasil por sonegação fiscal e remessas ilegais ao exterior) que cria o CFJ se a Fenaj fizer uma solicitação formal. Lula acha que este é um “momento importante” para debater a questão da imprensa e na condição de ex-sindicalista entende que um órgão de classe, como a Fenaj, é a melhor instância de representação dos profissionais do setor.
Pode ser. Mas vê-se que as “brincadeiras” presidenciais nem sempre são brincadeiras para brincar. Por mais ingênuas que pareçam, elas escondem intenções, denotam preocupações, denunciam posições e estratégias assumidas dentro da lógica do poder, ou dos poderosos.
No caso do conselho, é melhor que ele desista da idéia. Não fosse por outros motivos que decorrem também do momento escolhido para mexer no velho tema, a condição imposta torna o presidente da nação refém de um órgão de classe que, embora em tese represente os jornalistas de todo o Brasil, muito pouco significa em termos numéricos para o resto da nação. A última eleição que acaba de acontecer na entidade, com baixíssima participação de norte a sul, é uma indicação clara da fraqueza representativa em que Lula se agarra para sair da enrascada em que se meteu. Que pelo menos não se confunda representação legítima de classe com interesses outros do Planalto…