Cerca de quatro meses antes do choque entre o Boeing 737 da Gol e o jato Legacy, em setembro do ano passado, que deixou 154 mortos e deflagrou a crise aérea nacional, problemas relacionados à segurança do setor aeroportuário foram relatados ao Ministério Público Federal (MPF) por dois brigadeiros da Aeronáutica, ex-ocupantes de cargos estratégicos na Infraero. O ex-superintendente de Segurança Aeroportuária, Edilberto Teles Sirotheau Corrêa, e o ex-diretor de Operações, Frederico de Queiroz Veiga, prestaram depoimento no início de junho de 2006 em procedimento administrativo aberto pela Procuradoria da República em Minas.
Os brigadeiros relataram frustrações com a falta de recursos para a aplicação de programas de segurança aeroportuária, que "faz parte de um conjunto maior chamado segurança da aviação civil", destacou Veiga. O ex-superintendente observou que "pendências" como aquisições de equipamentos para dotar os aeroportos brasileiros de segurança "compatíveis" e outras relacionadas à área operacional – "melhorias em revestimentos asfálticos, em sistemas de balizamento noturno e sinalização de pouso e áreas de manobras dos aeroportos" – eram sempre postergadas.
"Ao mesmo tempo, verificava-se que obras e serviços que proporcionam `visibilidade’, muitos de necessidade duvidosa ou além das necessidades, sempre eram priorizados, não lhe faltando recursos", declarou Sirotheau, salientando que em algumas obras, "notadamente, havia sempre termos aditivos sendo aprovados, elevando consideravelmente os valores originalmente estabelecidos".
Convidado para assumir a Superintendência de Segurança Aeroportuária da estatal no início de 2003, o brigadeiro pediu demissão em abril de 2005. Antes, o ex-superintende disse que tentou, em conjunto com a Diretoria de Operações, que fossem destinados ao setor recursos oriundos das cobranças adicionais nas tarifas de embarque dos vôos internacionais. Sugeriu ainda a criação de uma tarifa de segurança, no valor de R$ 4, que seria cobrada de todo passageiro e carga aérea. As duas propostas não foram aceitas.
"Frustrações"
Veiga, que deixou a Infraero em agosto de 2005, observou que durante o ano anterior era "sensível" as dificuldades na disponibilização de recursos financeiros. E concluiu que a área operacional era "pouco priorizada" dentro da estatal. "Esse sentimento tornou-se mais intenso com o passar do tempo, agravando-se mais ainda no exercício de 2005, provocando grandes frustrações ao Brigadeiro Sirotheau e a mim próprio".
Os brigadeiros prestaram depoimento em Brasília, a pedido do procurador Tarcísio Henriques Filho, do MPF em Belo Horizonte, que instaurou o procedimento a partir de uma representação feita pelo Sindicato Nacional dos Aeroportuários. Por meio da assessoria da Procuradoria em Minas, Henriques Filho disse que as investigações estão em curso e por isso não iria se pronunciar sobre o assunto.
"É um assunto muito sério e até agora não temos ainda um posicionamento do Ministério Público Federal", reclamou o diretor de Imprensa do sindicato, Leandro Castro Pinheiro. O procurador é autor de uma ação civil pública, ajuizada em agosto de 2005, questionando a utilização de mão-de-obra terceirizada pela Infraero, em detrimento de aprovados em concurso público realizado naquele mesmo ano. A irregularidade consistiria no emprego de terceirizados para a realização das chamadas atividades-fim da estatal.
Em fevereiro do ano passado, no entanto, um acordo entre o MPF e a Infraero foi homologado pela 7ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte e o processo foi suspenso. A ação foi originada de representação feita pelo Sindicato dos Aeroportuários. Pinheiro calcula que existem atualmente cerca de 16 mil terceirizados que prestam serviço à estatal para um quadro de aproximadamente 11 mil funcionários efetivos. "A limpeza e a segurança armada são as únicas que poderiam ser terceirizadas. Nos demais (cargos), no acesso às salas de embarque, todos deveriam ser funcionários orgânicos da Infraero", avaliou.