Breves notas sobre a responsabilidade na administração das sociedades limitadas diante do Código Civil

Quando uma pessoa jurídica é criada pelos sócios ou acionistas e registrada no respectivo órgão (Junta Comercial ou Ofício de Títulos e Documentos), surge a personalização da sociedade, a qual implica na separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros, razão pela qual as obrigações de um não podem ser imputadas ao outro. Ou seja, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometeram no contrato social, existindo um limite de sua responsabilidade.

Antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, a responsabilidade pessoal na sociedade limitada era regida pelo art. 10 do Decreto 3.708/19, onde os sócios não respondiam pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, ressalvado o excesso de mandato e a violação do contrato ou da lei.

Contudo, o CC de 2002 alterou a responsabilidade dos administradores sociais, estabelecendo uma solidariedade entre os administradores em relação à sociedade e a terceiros, desde que atuem com culpa ou dolo no exercício de suas funções dentro da sociedade, nos termos do art. 1.016 do Código Civil: ?Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções?.

Outra inovação no âmbito da responsabilidade dos administradores introduzida pelo Código Civil decorre da regra do art. 1.015, que trata dos atos de gestão dos administradores. Na vigência do Decreto 3.708/19, a sociedade respondia solidariamente com o administrador nos atos realizados dolosamente, com excesso de mandato, por violação ao contrato ou à lei. No entanto, o Código Civil de 2002 alterou significativamente o trato da matéria, abandonando a construção doutrinária e jurisprudencial que já se encontrava estabelecida, procurando implantar a já superada teoria ultra vires no direito brasileiro.

Pela teoria ultra vires, entende-se que são nulos os atos praticados pela sociedade que não estiverem em consonância com seu objeto social, pois, nesta hipótese, considera-se que a sociedade não teria capacidade legal para praticar determinado negócio jurídico.

Com efeito, o art. 1.015 do Código Civil de 2002 passa a admitir que a sociedade se exima da responsabilidade pelos atos realizados pelos administradores, nas hipóteses descritas nos incisos I a III. Disso decorrem dois entendimentos:

1.º) que a teoria ultra vires serve para a proteção dos interesses dos sócios/acionistas, pois eles têm o direito de esperar que não sejam os poderes ultrapassados e a sociedade seja responsabilizada por atos sem relação com o objeto para o qual ela foi fundada (cf. ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 56-57);

2.º) que a teoria ultra vires certamente provocará insegurança jurídica nas obrigações contraídas pelas sociedades, haja vista que não era admitida pelo direito positivo.

Por certo, nas práticas comerciais do dia-a-dia (salvo exceções), não se costuma consultar o contrato social para verificar os poderes dos administradores nem a atividade social fim da sociedade. É que a boa-fé objetiva, como princípio geral de direito, devidamente instrumentalizada no Código Civil brasileiro, deve prevalecer como forma de orientação ética nas relações jurídicas interprivadas. Em razão disso, não se mostra mais possível hodiernamente privilegiar a atuação fraudulenta e de má-fé, esquivando a sociedade de cumprir suas obrigações contraídas por seus administradores, apenas em razão da ausência de poderes específicos para tanto.

Esta pendenga não pode ser extraída das relações internas da sociedade (interna corporis), prejudicando terceiros (credores) e enfraquecendo as próprias relações jurídicas firmadas com uma sociedade. Em razão disso, não obstante a positivação da previsão legal em comento, deve prevalecer na jurisprudência o entendimento até então vigente, responsabilizando a sociedade pelos atos de seus representantes legais, cabendo, pois, à sociedade buscar o ressarcimento junto ao seu administrador.

Por outro lado, não se deve entender que a responsabilidade é objetiva ou solidária entre todos os administradores, pois a solidariedade deve ser analisada de acordo com o tipo de administração (disjuntiva ou conjunta), conforme previsão no contrato social. Destarte, para responsabilização dos administradores em face do art. 1.016 do Código Civil (culpa), é necessária, para verificação da culpa, a análise concreta de suas modalidades (imprudência, imperícia, negligência in vigilando ou in eligendo), além da ocorrência de prejuízos à sociedade ou a terceiros, hipótese em que responderão pessoalmente pelos danos causados.

Ademais, não se pode perder de vista que, uma vez regularmente constituída a sociedade e inscrito o ato constitutivo no registro, o administrador, no exercício regular de suas funções, não responde pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da empresa.

Por fim, o Código Civil de 2002 também estabelece a responsabilidade do administrador que participar da distribuição de lucros ilícitos ou fictícios (art. 1.009, CC), ou quando realizar operações sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a vontade da maioria (art. 1.013, § 2.º, CC). Responde o administrador, igualmente, sempre que restar comprovada a culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, CC) ou quando se apropriar de bens ou créditos sociais em benefício próprio ou de terceiros, sem o consentimento escrito dos sócios (art. 1.017, CC).

Guilherme Borba Vianna é advogado, especialista em Direito Societário e em Direito Processual Civil, mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). www.poppnalin.com.br

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