Inicialmente, aproveitando esse espaço, urge agradecer e destacar o curso de mestrado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Com um processo de seleção absolutamente sério e com uma concepção atualizada e objetiva, contando ainda com um sistema de bolsas de estudo bem distribuído, possibilita e amplia o acesso à formação em pós-graduação aos operadores do Direito em nosso Estado. A responsabilidade civil pré-contratual em Direito do Trabalho, objeto de minha dissertação orientada pelo Doutor Marco Antonio Villatore, é tema amplo e pouco trabalhado na doutrina, e é ainda pequeno o número de casos analisados nos tribunais pátrios sobre a questão.
O Direito não é uma ciência rápida, com avanços em progressão geométrica ou com resultados precisos e mensuráveis. Como qualquer ciência humana, seu objeto não permite conclusões permanentes, equações fixas ou resultados previsíveis a médio prazo. Sentiu, aliás, a ciência do Direito, o impacto do rompimento das fronteiras e da tecnologia exacerbada nos últimos 30 anos, assim como a progressão geométrica com que o conhecimento se multiplica no mundo de hoje. No Brasil, a Constituição dirigente não se sobrepõe muitas vezes aos interesses de entidades globais, o Código Civil já nasceu sob a égide de novas possibilidades tecnológicas não pensadas em seu projeto, e leis que não se modificam substancialmente desde há mais de 40 anos necessitam de uma nova leitura para que solucionem os casos do presente.
A jurisprudência é chamada, também, a uma autocrítica, a uma nova forma de agir, eis que as demandas aumentam e as lides apresentam questões novas e intrigantes. No campo do Direito Civil, haveria necessidade anos atrás de se pensar sobre o direito do embrião produzido para utilização em produção de células tronco? No campo do Direito Penal, como prever os cibercrimes, difamação e danos via rede mundial? No Direito Consumeirista, quais as responsabilidades de um provedor ou qual o foro competente no caso de compras on-line feitas mundo afora via rede? Em Direito do Trabalho, anos atrás, seria fantasioso pensar se um empregador poderia exigir um exame genético de um candidato a emprego.
Hoje, para citar outro exemplo, o empregado pode ficar horas de sobreaviso pelo fato de portar um telefone celular que o coloca disponível 24 horas por dia aonde quer que esteja inclusive enviando imagens. Está ainda a jurisprudência se debatendo acerca de violações a e-mails e sites e comunidades virtuais com dados pessoais. Nesse contexto, pode-se perguntar, ainda, até quando o Direito do Trabalho será, na prática, apenas, o direito das verbas devidas e sonegadas durante o contrato, limitado ao estatuto mínimo celetista.
Necessária, assim, a evolução dos conceitos na ciência do Direito. Nesse sentido, o instituto da responsabilidade civil, uma das grandes vertentes do Direito Comum, necessita outra ótica e uma ampliação de abordagem. Conforme Jhering:
?O direito não exprime a verdade absoluta: a sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode mas deve mesmo ser infinitamente variado. O médico não receita o mesmo medicamento a todos os doentes, mas adapta o remédio à doença. Do mesmo modo também o direito não promulga em toda parte as mesmas disposições, adapta-as ao estado do povo, ao seu grau de civilização, às necessidades da época…?(1).
A responsabilidade civil pré-contratual, repiso, é face ainda pouco explorada do campo da responsabilidade civil, havendo aqueles que advogassem por sua inexistência. Quando se procura transferir os conceitos para a casuística do Direito do Trabalho, descobre-se uma área praticamente intocada, recebida até com certa perplexidade diante das possibilidades que pode trazer em um campo no qual a contratualidade ainda traça a tônica da tutela judicial. Como defender, assim, uma responsabilidade civil que incide antes ou independente de qualquer contrato de emprego? Ao mesmo tempo, a injustiça evidente e cortante na não reparabilidade de um dano na fase pré-contratual inspirou o jurista Jhering a traçar as primeiras linhas do instituto que denominou ?culpa in contrahendo?(2).
A situação do trabalhador candidato a emprego exacerba a sujeição, abre o espaço para o dano, sem, entretanto, a correspondente ótica sob o prisma da responsabilidade civil ante a ausência de um contrato e fora das lindes exatas de uma responsabilidade aquiliana. O empregador também pode encontrar situações nas quais haja dano, de responsabilidade do trabalhador na fase anterior a um contrato, como, por exemplo, uma informação falsa fornecida por um candidato a emprego.
Entende-se que, com base em dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, aplicáveis ao Direito do Trabalho por força do artigo 8.º da CLT, ampliam-se as possibilidades em face da positivação da boa-fé e as funções desse princípio na hermenêutica e na criação de deveres colaterais de conduta, destacando-se a essencialidade da boa-fé para uma construção teórica da responsabilidade civil pré-contratual. Ainda, uma ultrapassagem da dicotomia entre responsabilidade contratual e aquiliana traz novas luzes ao instituto.
Uma teoria da responsabilidade civil pré-contratual surge a reboque da noção de obrigação como processo, dos limites à autonomia negocial e da crítica à categoria negocial do contrato de trabalho, destacando-se, como já mencionado, o princípio ou cláusula geral da boa-fé, independentemente da controvérsia semântica sobre tais categorias, ressaltando deveres laterais, como por exemplo, na responsabilidade civil pré-contratual, os de informação, sigilo e proteção de dados. Tal responsabilidade não se confunde com a categoria do contrato preliminar, e a noção de dano pré-contratual repousa na tutela do chamado ?interesse positivo e negativo?. O segundo envolve perdas e danos, perda de chance em uma tutela da expectativa frustrada que é mais ampla do que lucros cessantes. O primeiro, sem meias palavras, implica no cumprimento forçado do contrato, o qual entendemos agora positivado no artigo 466-B do Código de Processo Civil.
A definição da natureza jurídica do instituto é, assim, essencial para o posicionamento da questão da culpa e do ônus da prova nessa seara, lembrando, finalmente, que a nosso ver é inquestionável a competência da Justiça do Trabalho nessa fase, bem como a possibilidades da tutela específica no interesse positivo, ou seja, a formação, por ato do juiz, de um contrato de emprego com todas as suas conseqüências.
Notas
(1) JHERING, Rudolf Von. A Evolução do Direito. Salvador: Livraria Progresso, 1956, pp. 334-335.
(2) Para ampliação sobre o tema, sugerem-se as excelentes obras dos Professores Paranaenses: Doutor Carlyle Popp: Responsabilidade Civil Pré-Negocial – o rompimento das tratativas, publicada pela Editora Juruá, e Doutor José Affonso Dallegrave Neto, Responsabilidade Civil em Direito do Trabalho, publicada pela editora LTr.
Luciano Augusto de Toledo Coelho é Juiz do Trabalho, mestre em Direito pela PUCPR, membro da direção da Escola de Administração Judiciária do TRT-PR, professor da Escola de Magistratura do Trabalho, bacharel em Psicologia.
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