Como vimos nas breves considerações iniciais (parte I), a inconstitucionalidade da Taxa Selic se dá efetivamente pelo fato de que ao ser criada por meras “Resoluções” e “Circulares” do Banco Central, que por simples atos administrativos deste órgão, acabam por lesar os princípios da legalidade tributária, da anterioridade, da indelegabilidade de competência tributária e da segurança jurídica, já que estes são os princípios basilares do processo legislativo nacional.
Ressalte-se, que as ilegalidades e inconstitucionalidades existentes nesta Taxa Selic, ocorrem desde a sua origem, evidenciando-se que a sua criação padece de legalidade, certeza e liquidez, já que a mesma adveio do “setor financeiro” onde a realidade do mercado de ações, do sistema de financiamentos como um todo e mais os sobressaltos inflacionários que atingem cotidianamente a nossa economia influenciam muito no comportamento econômico e financeiros das empresas nacionais.
E mais, a falta de “lei complementar” para a sua criação e aplicação é o principal fator que a coloca como instrumento inábil de aplicação e indexação de débitos tributários em atraso, ou seja, não pagos no vencimento, nos processos administrativos fiscais e nas ações executivas fiscais promovidas pela Fazenda Pública da União, dos Estados e dos municípios perante ao Poder Judiciário.
Outra demonstração de ilegalidade, trata-se, do recente ato Declaratório Executivo Corat n. 11, de 03.02.2003, DOU de 3.2.2003, que estabeleceu que a Taxa Selic relativa ao mês de janeiro de 2003, aplicável na cobrança, restituição ou compensação dos tributos e contribuições federais, a partir do mês de fevereiro 2003, é de 1,97% ao mês. Um verdadeiro “confisco tributário” está sendo a aplicação desta taxa sobre os débitos tributários.
Cumpre lembrar, que o percentual desta taxa está acima dos percentuais previstos em nossa Constituição Federal (1% ao mês e 12% ao ano) e no nosso Código Tributário Nacional (1% ao mês) como juros de mora. Eis aí mais uma ilegalidade ocorrendo com as salvas-guardas do Poder Executivo.
Diante de tantas ilegalidades e inconstitucionalidades explícitas na presente questão, os nossos Tribunais Superiores vêm, acertadamente, decidindo pela não aplicação desta abusiva Taxa sobre débitos tributários em atraso, tanto que o Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou sobre este assunto, senão vejamos:
“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART. 39 PARÁGRAFO 4.º DA LEI 9.250/95. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
(…)
II – Taxa Selic, indevidamente aplicada como sucedâneo de juros moratórios, quando da realidade possui natureza de juros remuneratários, sem prejuízo de sua conotação de correção monetária.
III – Impossibilidade de se equiparar os contribuintes com os aplicadores; estes praticam ato de vontade; são submetidos coercitivamente a ato de império.
IV – Aplicada a Taxa Selic há aumento de tributo sem lei específica a respeito, o que vulnera o art. 150, inciso I, da Constituição Federal.
(…)”
(Resp. 215.881 – 1.ª Turma – Relator Ministro Franciulli Neto)
Analisando a decisão acima, é percebível claramente que o entendimento do STJ é de que para fins tributários a Taxa Selic não foi criada por lei, isto é, a Selic é exclusivamente um instrumento hábil para o mercado financeiro, mas não para matérias de ordem tributária, face ao princípio da legalidade.
Ora, está mais do que evidente que exigir ou aumentar um tributo sem a existência de uma lei é totalmente inconstitucional, sendo que, no caso em tela, se verifica exatamente esta situação, face a não existência de uma lei criando a aludida taxa remuneratória denominada Selic.
Aliás, o renomado tributarista e ex-secretário da Fazenda do Estado do Paraná, Dr. Geroldo Augusto Hauer, segue a mesma senda do STJ, assim dizendo “in Cenários de ICMS” que “…em matéria de tributação os critérios para aferição da correção monetária e dos juros devem ser definidos com clareza pela lei. Assim, demonstra-se a impossibilidade do Poder Público aplicar a Taxa Selic como percentual de juros moratórios sobre seus créditos tributários, seja pela violação aos princípios constitucionais da reserva absoluta de lei formal, da anterioridade, da indelegabilidade de competência tributária, bem como da segurança jurídica”.
Em decorrência desse entendimento e de outros posicionamentos similares dos nossos Tribunais Superiores, os demais tribunais de instâncias inferiores deste País, também vêm se pronunciando no mesmo sentido, ou seja, de que a Taxa Selic não pode servir de indexador remuneratório e indenizatório de débitos fiscais já que a sua natureza é exclusivamente financeira, face ter sido criada através de simples resolução administrativa do Banco Central do Brasil, órgão este que regula a atividade financeira e bancária deste País.
Vejamos então, algumas recentes decisões dos Tribunais de 1a. e 2.ª instâncias que vêm acertadamente entendendo pela não aplicação da Taxa Selic sobre débitos fiscais face as inúmeras ilegalidades e inconstitucionalidades existentes, senão vejamos a decisão nos autos de Embargos à Execução Fiscal n. 305/2001, do r. Juízo de Direito da 2.ª Vara Cível da Comarca, que assim brilhantemente entendeu que:
“A Taxa Selic não pode ser cumulada com a correção monetária, pois se a Lei Fiscal dispõe ser a Selic o indexador para os juros moratórios, nela incluída a correção monetária dos créditos tributários, não há impedimento à sua aplicação. Mas tratando-se de taxa de captação obtida a partir das operações efetivamente realizadas pelas instituições financeiras e registradas no sistema denominada Selic, não pode cumulá-la, a título de juros, com correção monetária do crédito.” (TJPR – AC 0101226-0 – (19982) – 3.ª. C. Cível – Rel. Desembargador Jesus Sarrão – DJPR 06.08.2001)
E ainda na mesma balada, outra importante decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – FAZENDA PÚBLICA – NULIDADE DE CDA – INOCORRÊNCIA – CRÉDITO TRIBUTÁRIO BASEADO EM VALORES DECLARADOS PELA PRÓPRIA CONTRIBUINTE, ATRAVÉS DE GIA – INEXISTÊNCIA DE PROVA INÉQUÍVOCA CAPAZ DE ILIDIR A PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA QUE GOZA A CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – TAXA SELIC – INADIMISSIBILIDADE DA COBRANÇA CUMULADA COM JUROS – ADMISSIBILIDADE, PORQUE PREVISTA EM LEI – RECURSO PROVIDO EM PARTE – A aplicação dos juros, tomando-se por base a TAXA SELIC, afasta a cumulação de qualquer índice de correção monetária. Este fator de atualização de moeda já se encontra considerado nos cálculos fixadores da referida taxa.” (Agraesp 210554/PR 1.ª. Turma do STJ Rel. min. José Delgado, DJU de 13-3-00, p. 135. (TJPR – AC 0107782-7 – (19029) – 4.ª. C. Cível – Rel. Desembargador Conv. Lauro Laertes de Oliveira – DJPR 27.08.2001)
Eis algumas decisões dos nossos tribunais, que demonstram aspectos e elementos indiciadores de vícios constitucionais e ilegalidades que impossibilitam a aplicação e a cobrança da Taxa Selic como sendo esta um índice corretivo e monetário de débitos tributários em atraso com fisco federal, estadual e municipal.
É de se observar, ainda, que tanto a Constituição Federal em seu artigo 193, parágrafo 3.º, determina que os juros reais não podem ser superiores a 12% (doze) por cento ao ano, quanto o nosso Código Tributário Nacional ensina em seu artigo 161, parágrafo 1.º., que se a Lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês, significa que a Taxa Selic por não estar albergada por lei complementar, rigorosamente, deve seguir os ditames da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, sob pena de ferir os pressupostos fáticos e jurídicos que emanam ordem legal pátria.
Por derradeiro, chega-se a duas conclusões: de que a Taxa Selic ao apresentar ao mundo jurídico-pátrio todas essas ilegalidades e inconstitucionalidades em hipótese alguma pode ser considerada como indexador legal de débitos tributários, isto por que, a nossa Constituição Federal veda a criação de formas tributárias sem a existência prévia de uma lei complementar; e ainda, que para aqueles contribuintes que se sentirem lesados com esta abusiva e injusta cobrança o caminho é o Poder Judiciário. Salvo melhor juízo.
Fábio Forselini é advogado em Pato Branco, professor de Direito Tributário e Direito Financeiro das Faculdades Guarapuava, Pós-graduado em Direito Comercial pela Faculdade de Direito de Curitiba e pós-graduado em Marketing e Desenvolvimento Gerencial pelo Inbrape de Londrina. E-mail:
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