André Szesz

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Faz-se, aqui, breve reflexão a respeito de uma questão de suma importância, quando se pretende analisar criticamente os rumos que a política criminal vigente tem tomado nos últimos tempos, tanto na Europa quanto na América Latina: a pena de prisão diante da suposta nova clientela do Direito Penal.

Nas últimas décadas, as relações sociais dentro de todo o planeta sofreram profundas modificações, até o ponto em que, para alguns, já se pode falar em superação do paradigma da modernidade, ou, para outros, em ingresso em uma segunda modernidade. Isso porque o fenômeno da globalização resultou em um processo de ?aceleração? e aumento de complexidade das relações humanas, tornando necessária uma nova autocompreensão social.

Os institutos sociais de controle até então conhecidos enfrentaram grave crise, em razão de sua ineficácia frente à aparição dos riscos globais. Estes, como característica do novo paradigma social, possuem uma dimensão de perigo inédita, ameaçando até mesmo as condições de vida humana em nosso planeta e sobre os quais não se pode falar em seguro, pois podem causar danos irreversíveis. Como resposta a esta situação, o Direito, e em especial o Direito Penal, vem sofrendo grandes alterações, com a criação de novos bem jurídicos, chamados supra-individuais, a criminalização de novas condutas, alterações nas teorias do crime e da pena, ocorrendo o fenômeno chamado de expansão do direito penal.

Umas das particularidades desta – já não tão recente -?tendência? no Direito Penal é a criminalização de condutas praticadas por pessoas pertencentes às classes sociais mais altas. Para alguns, isto gerou inclusive um ramo autônomo, chamado de Direito penal Econômico, hoje amplamente discutido na Europa.

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Em razão do surgimento deste novo grupo de criminalizados, reacendeu-se uma discussão que estava praticamente morta desde que criminologia crítica desconstruiu o paradigma positivista: a questão da eficácia da pena de prisão. Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias (1) publicou há mais 20 anos um artigo, derivado de uma Conferência proferida em Kristiansand (Noruega), na Jornadas Internacionais da Fondation Internationale Pénale et Pénitentiaire, em que sustentou a possibilidade de sucesso da prisão em relação aos poderosos criminalizados, pois estes estariam menos suscetíveis aos efeitos degenerativos e mais suscetíveis aos efeitos prometidos da pena.

Em síntese, o professor português analisou a problemática da possibilidade de eficácia das funções positivas atribuídas à pena, ponderando as facilidades e dificuldades de realização destas funções quando o réu é um ?criminoso econômico?. Concluiu que as metas da pena podem ser mais facilmente alcançadas diante dessa suposta nova clientela do sistema penal.

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Contudo, a questão da criminalização de pessoas das classes altas merece uma análise crítica sob um aspecto que transcende o estudo da eficácia da pena de prisão. O ponto central seria, talvez, a discussão sobre qual é a vulnerabilidade deste grupo de pessoas em relação ao sistema penal.

Para entender melhor o tema, é necessária uma referência ao conceito de seletividade desenvolvido pela criminologia crítica. Em apertada síntese, e conforme os termos de Zaffaroni/Batista (2), significa que, em razão da mpossibilidade absoluta de efetivação das normas incriminadoras (pois, se fossem levadas ao pé dá letra, toda a população seria incriminada várias vezes ao longo da vida) e da baixa da capacidade operativa das agências policiais (que, como indicam os estudos de cifra negra, dão conta de apenas uma miséria dos crimes efetivamente ocorridos), o sistema penal se orienta a partir de estereótipos da criminalidade. Sendo assim, cada pessoa tem um estado de vulnerabilidade específico, de acordo com a proximidade ou distanciamento de sua imagem diante dos estereótipos da criminalidade.

Dado este conceito, Zaffaroni/Batista ainda observam que a criminalização secundária se estabelece, em regra, contra aqueles que tem baixa defesa frente ao sistema penal, seja porque suas características pessoas se adequam ao esteriótipo da criminalidade, seja porque sua educação só lhes permite a prática de obras toscas, de fácil detecção, ou seja porque sofrem os efeitos do etiquetamento e assumem o papel correspondente ao estereótipo da criminalidade. Em conseqüência, a pena de prisão só chega a ser aplicada contra aqueles que não possuem o esteriótipo da criminalidade em casos muito raros, pela realização obras trágicas (como no caso Suzane von Richthofen), ou em situação de perda de invulnerabilidade em razão de derrota na luta pelo poder hegemônico.

Há que se ponderar que, diante da invulnerabilidade daqueles que efetivamente exercem uma relação abusiva de poder econômico, o sistema penal busca os bodes expiatórios, que neste caso têm sido as pequenas empresas, principalmente aquelas que passam por dificuldades financeiras. Essa ?necessidade de condenação? tem custado o respeito às garantias contutucionais dos mais vulneráveis, através de denúncias genéricas, condenações com base em contratos sociais, condenações por dívidas (sem dolo), etc.

Portanto, por mais que exista um legislação penal criminalizando condutas que são praticadas somente pelas classes economicamente mais favorecidas da sociedade, o sistema penal parece continuar selecionando apenas aqueles mais vulneráveis ao poder punitivo. E, considerando que a história nos ensina que a função exercida pelo sistema penal foi sempre a manutenção das relações de desigualdade dentro da sociedade, talvez o desejo de punir os poderosos com seus próprios instrumentos de poder seja apenas um sonho narcísico.

Notas:

(1) DIAS, Jorge Figueiredo de. Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e a aplicação das penas em Dieito Penal Econômico. Em Direito Penal Econômico. Coimbra: Coimbra, 1985, p. 27-42.

(2) ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p.

Trabalho apresentado no Programa de Iniciação Científica Retrato Socioeconômico dos Egressos do Sistema Penitenciário do Paraná, no Centro Universitário Curitiba, sob orientação do prof. dr. Luiz Antônio Câmara.

André Szesz é advogado criminal. Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC-UFPR. aszesz@camaraeassociadosl.com.br