Bravatas

Dedo em riste, nem parecia o Lula paz e amor da campanha eleitoral. O que lhe saía da boca vinha direto do coração, como nos velhos tempos. O presidente eleito tinha a convicção – fazia muito não se via assim – do que falava. E à principal advertência feita, nenhuma contestação: a moleza vai acabar; é hora de menos bravatas e mais competência.

Bravatas… Falava, com conhecimento de causa, a seus ex-companheiros de sindicalismo. A moleza referida tem a ver, claramente, com um velho estilo conhecido no meio sindical, segundo o qual lideranças incompetentes na solução de conflitos pela via negocial lançam mão da tática do confronto, arrastando multidões para o embate. Coisa de pelego preguiçoso travestido de líder. Lula conhece o terreno mais do que ninguém e, naturalmente, teme que a poderosa arma em que foi treinado possa ser usada contra seu governo. Por isso, antecipou-se. Fez bem.

Na aparência, Lula pode ter negado que praticava à época de puxador de assembléias e greves. Mas o que interessa no momento é que não há dúvidas: discutir reforma tributária é mais importante e pode ter efeitos mais benéficos para o trabalhador que reclamar um aumento imediato de dez reais no salário mínimo. Também é mais importante que reclamar contra a alíquota do Imposto de Renda armar-se até os dentes contra a volta da inflação. Ela tira de tarde o que se ganha pela manhã.

A visão de sindicalismo de Lula, agora com um pé já no governo, tem outra dimensão. Isso deu para ver claramente em suas advertências e em suas brincadeiras, quando pega exemplos do futebol para ilustrar coisas do governo. Seu mérito principal está em desafiar antigos companheiros de luta e aprendizes na arte de sindicalizar a enfiar a cabeça nos problemas gerais, para além das datas-base, como disse. No mínimo, gastar energias dentro de uma agenda positiva.

E nesse sentido já fornece lenha à vontade para queimar no braseiro dos debates: reforma da legislação trabalhista e reforma sindical ? dois temas que sozinhos seriam o bastante. Mas quer mais: reforma tributária, combate à fome… um sindicalismo-cidadão, capaz de desenvolver solidariedade e a participação. Uma participação quase compulsória. É por isso que, segundo advertiu, a moleza vai acabar.

Os setenta minutos de discurso serviram para muita coisa útil. Inclusive para avisar que não haverá reforma a toque de caixa. Lideranças sindicais de todos os naipes saíram do encontro falando baixo e dando razão ao discursador. Fosse outro a dizer tudo o que disse, e as reações teriam sido imprevisíveis.

Se a linguagem de Lula não empolga, faz pensar. Ninguém seria capaz de sair na rua gritando “Fora Lula” depois de tudo quanto disse àquela platéia formada pelos mais importantes e empertigados sindicalistas brasileiros. Se não está reinventando a roda, Lula está procurando um jeito de fazê-la rodar. E o que é mais importante ? no mesmo sentido. Pelo menos por enquanto.

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