O bem-estar nas maiores cidades do País passa longe das aparências. Do ponto de vista da percepção dos moradores desses locais, a violência no Rio de Janeiro e São Paulo está em níveis satisfatórios e Brasília é o melhor lugar para viver. A conclusão é de pesquisa divulgada hoje (26) pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e que buscou mapear a qualidade de vida em 11 regiões.
O trabalho da FGV ocorreu sobre os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, relativa ao período 2002-2003. Não foi realizado um trabalho de campo, mas criada uma metodologia para buscar, na POF, o que a fundação chamou de "condições de vida nas regiões metropolitanas e suas implicações econômicas".
Foram destacados 12 quesitos de avaliação, como renda, quantidade e tipos de alimentos consumidos, avaliação de serviços públicos básicos, violência e condições de moradia. Os dados mais surpreendentes estão relacionados à percepção que os moradores das cidades pesquisadas têm da violência local.
Enquanto a população de Belém (PA) e Belo Horizonte (MG) demonstra um alto grau de insatisfação em relação aos problemas de violência e vandalismo na sua área de residência, os moradores do Rio e São Paulo, campeões das notícias sobre violência no País, estão perto do topo da satisfação no ranking da pesquisa.
A FGV mostrou que, enquanto Brasília está à frente na avaliação das famílias residentes em relação à violência, com um porcentual 76% acima da média das regiões, Belém está na pior posição, 73% abaixo da média.
São Paulo e Rio ocupam, respectivamente, o terceiro e o quarto lugares, mostrando que a questão da violência está longe de aterrorizar a população local.
O responsável pela pesquisa da FGV, Fernando Blumenschein, chamou atenção para a posição ruim de Belo Horizonte no que diz respeito à violência. A região metropolitana da capital de Minas Gerais está no penúltimo lugar como a pior percepção da população sobre a violência local, entre as 11 regiões pesquisadas. Por outro lado, as melhores regiões, depois de Brasília e Salvador, são Rio de Janeiro e São Paulo.
Segundo Blumenschein, os dados da pesquisa não permitem explicar porque as duas maiores regiões metropolitanas do País ficaram bem posicionadas em relação à violência. "A pesquisa reflete o bem-estar da população, é diferente dos dados oficiais", disse. Para ele, uma hipótese para explicar a boa avaliação de cariocas e paulistas sobre a violência são os investimentos que estão sendo realizados no combate à violência nas duas regiões.
Resignação – Para a coordenadora do núcleo de estudos da violência da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber, a pesquisa revela uma face perversa das grandes cidades: a resignação. Para ela, o fato de Belo Horizonte e Belém abrigarem uma população mais insatisfeita com esse fator "talvez seja porque a deterioração nessas áreas seja mais recente".
No caso do Rio e São Paulo, Julita observa que "o cidadão se acostuma até com a tragédia. O cidadão que está nessas cidades acaba resignado. As pessoas perdem a capacidade de se indignar", avalia.
O quesito violência foi o único, entre os 12 avaliados no trabalho da FGV sobre a POF, que mereceu uma análise exclusiva. Os demais pontos foram estudados em conjunto, ou seja não foi possível estudar em detalhes qual a avaliação ou importância de cada um dos pontos para a população. Nessa situação, Brasília manteve o primeiro lugar de maneira imbatível.
A satisfação dos moradores da região (plano piloto, exceto cidades satélite) está 108% acima da média das 11 regiões enquanto a população de Belém está bastante insatisfeita e 79% abaixo da média.
A Região Metropolitana de São Paulo está num ponto considerado "intermediário" e figura no sexto lugar entre os locais pesquisados. A avaliação de São Paulo está 8,19% acima da média das regiões.
Blumenschein disse que os dados são importantes para a construção de políticas públicas e relevantes do ponto de vista econômico porque "quanto pior as condições de vida, pior a produtividade da mão-de-obra, o que afeta a atração de capital e investimento produtivo e isso tem efeitos na capacidade de crescimento e geração de emprego nas regiões".