Os brasileiros que participaram do Fórum Econômico Mundial estão deixando os Alpes suíços com uma incômoda ressaca. O evento, um dos mais importantes da agenda política e econômica internacional, mostrou que o Brasil ocupa uma posição secundária na sua lista de prioridades e interesses da elite global.
Enquanto China e Índia solidificam suas credenciais como potências econômicas capazes de alterar o mapa geopolítico mundial nas próximas décadas, provocando preocupações mas também oportunidades para os investidores dos países ricos, o Brasil continua a ser visto como uma promessa de um futuro que ninguém sabe quando e se virá.
Não há dúvidas de que a imagem internacional do Brasil melhorou muito nos últimos anos, com o País alcançando uma maior estabilidade econômica e reduzindo sua vulnerabilidade a choques externos. Ao contrário da década passada, os debates sobre o País já não se concentram em procurar saber quando será a próxima crise financeira.
Como afirmou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, "o Brasil é visto hoje como um País normal, que não apresenta riscos potenciais e iniciou uma rota de crescimento sustentável".
Mas como testemunharam os empresários brasileiros presentes no evento, ser apenas "normal" num ambiente em que outros países em desenvolvimento alcançam taxas de crescimento anuais duas, três, quatro vezes superiores a brasileira, não basta. Num ambiente de intensa busca de eficiência e competitividade que não se limita mais às nações industrializadas, o desempenho do Brasil deixa a desejar.
Essa constatação provocou constrangimento entre o pequeno grupo de empresários e algumas autoridades brasileiras que desembarcaram na gelada Davos este ano. Eles presenciaram as dezenas de delegados chineses e indianos atraindo uma enorme atenção durante o evento.
O anúncio, ontem, de que a empresa siderúrgica indiana Mittal havia feito uma oferta de cerca de 18 bilhões pela gigante européia Arcelor serviu para reforçar a percepção de frustração sobre a importância atribuída ao Brasil no novo mapa da economia global.
Lula
O baixo astral do Brasil em Davos é um contraste com o que se viu há apenas três anos, quando o recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos principais destaques do Fórum Econômico Mundial, anunciando uma nova era para o Brasil. Desde então, como disse um empresário brasileiro, muita coisa mudou. "Ainda bem que o Lula não veio neste ano, ele ia falar o quê?", disse um empresário brasileiro. "O que mais vazou do Brasil para o exterior neste ano foi o escândalo de corrupção."
A falta de uma maior interesse não se limitou ao Brasil, estendendo-se a toda a América Latina. O tradicional "Jantar Ibero-americano" que ocorre todos os anos durante o Fórum Econômico Mundial foi marcado pelo debate sobre as causas de a região apresentar um desempenho inferior ao de outras partes do mundo.
Para tentar reverter isso, foram listadas as tradicionais receitas: mais reformas estruturais, melhor distribuição de renda, mais investimentos em educação e saúde, entre outras. O risco de o populismo voltar a prevalecer na América Latina, sob a liderança do presidente venezuelano Hugo Chávez e com a recente eleição do cocaleiro boliviano Evo Morales, ajudou a reforçar o clima de preocupação.
"A América Latina vive um momento crucial diante da escolha de um caminho populista ou de manutenção das conquistas dos anos recentes", disse o economista John Williamson, do Institute for International Economics.
Show do Gil
Curiosamente, o ponto alto – aparentemente o único – da participação brasileira no evento foi o ministro da Cultura, Gilberto Gil. Em duas festas organizadas pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para promover o Brasil junto aos estrangeiros, o cantor e compositor conseguiu a façanha de fazer Henrique Meirelles, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, e vários empresários brasileiros cantarem no mesmo tom, estimulados por dezenas de caipirinhas.