Organizados em grupos, estrangeiros param para admirar os grafites e fazer uma foto com o celular. Ao piano, violino e instrumentos de sopro, maestros renomados e artistas em ascensão se apresentam em uma garagem, a poucos metros de distância. As crianças também estão lá: pulam corda e jogam bola. Tudo acontece no meio da rua. E sempre aos domingos: dia em que um pedaço da Vila Madalena, na zona oeste, se transforma em um parque sem grades nem portão de entrada.
“Não adianta procurar em listas oficiais de atrativos de São Paulo porque o ‘Parque da Vila Madalena’, como é chamado por idealizadores, não vai estar lá. “É um espaço virtual, onde há um conjunto de empreendimentos que reúne cultura, lazer, entretenimento”, explica o professor Dirceu Dias, morador da região há 35 anos. “São pessoas interessadas em se apropriar do espaço urbano.”
O “parque” está distribuído por um triângulo de 60 mil m², ladeado pelas Ruas Medeiros de Albuquerque, Harmonia e Aspicuelta. Há feiras gastronômicas, brincadeiras e shows gratuitos, organizados por espaços de economia criativa sob liderança do Armazém da Cidade. Os eventos ganharam força há cerca de um ano, quando um trecho da Medeiros de Albuquerque foi incluído pela gestão Fernando Haddad (PT) no programa Ruas Abertas. Desde então, o projeto também enfrentou resistência de moradores e passou por alguns ajustes.
No coração do Parque da Vila Madalena está o Beco do Batman, reduto do grafite em São Paulo. “É como se estivéssemos em um museu a céu aberto: simplesmente fantástico”, diz o norte-americano Larry Ehrlich, de 51 anos, um dos turistas.
Muitas pessoas também aproveitam para transformar o Beco em um “estúdio ao ar livre”. A estudante Júlia Piacentti, por exemplo, chegou com três amigas de limusine para fazer as fotos em comemoração ao aniversário de 15 anos. “Eu acho muito bonito, bem colorido, alegre. Gosto bastante daqui.”
Tour. É possível fazer tours guiados pelos próprios grafiteiros em ações de espaços e coletivos culturais, como a Ocuparte e a Alma da Rua. Para atender ao público estrangeiro, a excursão da SP Free Walking Tour é feita em inglês e o turista paga o quanto “acha que vale”. Segundo Rafael Baracat, responsável pela empresa, o passeio da Vila Madalena já atrai mais pessoas do que a Avenida Paulista. “O Beco do Batman e o Armazém da Cidade formam um corredor de arte e lazer”, diz. “Os turistas percebem a energia diferente.”
À frente do grupo, a guia turística usa um microfone preso na orelha para falar com 33 participantes do tour. Entre eles, há só dois brasileiros. “Estão vendo este desenho, galera?”, aponta no muro a imagem de uma boca com uma língua imensa para fora. “Foi o Ron Wood, guitarrista do Rolling Stones, quem pintou.” É a deixa para que façam uma selfie atrás da outra.
“Nunca vi tanto artista junto em nenhum lugar do mundo”, diz o irlandês Richard Fenning, de 31 anos, participante do tour. “Há muita imaginação nas pinturas, eu adorei. Não temos isso no Irã”, concorda Azadeh Mohammadi, de 36 anos.
O fluxo de estrangeiros cresceu após a Copa do Mundo, quando a Vila Madalena invadiu o noticiário internacional. “Virou um point mesmo: 85% do meu público é de fora”, diz Marina Moretti, proprietária do hostel Ô de Casa. Além das atrações no entorno, o fechamento do Beco para carros e a instalação de lâmpadas de LED, no ano passado, aumentaram ainda mais a movimentação. “Agora, os visitantes resolvem ficar mais tempo na cidade para assistir a um show”, conta.
Concerto. Cadeiras de praia e guarda-sóis substituem os carros na Medeiros de Albuquerque aos domingos. Ficam na frente da galeria Choque Cultural, à espera das apresentações de música clássica, jazz e MPB. “Está todo mundo misturado. Você não se sente um artista, você faz parte do público”, diz o maestro João Carlos Martins, que apadrinhou o projeto Concerto na Garagem e fez um show de graça no início do mês. “É como se fosse um país imaginário: cerca de 800 mil pessoas sentadas na rua, ouvindo Bach, Mozart, Beethoven.”
Outro projeto, aos domingos de manhã, é o Jogadeira, da ex-jogadora de vôlei Ana Moser. Crianças se divertem no asfalto, supervisionadas por recreadores. “Na Europa, é muito comum ter iniciativas na rua”, diz o alemão Joahannes Fischer, de 34 anos, que levou a filha Valentina, de 3 anos, para brincar. “São Paulo precisa de mais espaços assim.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.