A Vila Isabel abriu os desfiles desta segunda-feira, 8, na Sapucaí contando a vida de Miguel Arraes, político cearense três vezes governador de Pernambuco. A escola retomou uma tradição de enredos políticos, com forte cunho social.
Logo no começo da apresentação, a comissão de frente de Jaime Arôxa trouxe um cortejo fúnebre nordestino, com corpos carregados em redes, e a morte pairando sobre a avenida – um belo efeito da patinadora Telma Delelis, que não parecia patinar, mas deslizar. “Não é a morte física. É a morte pela falta da cultura, da educação. E combina com o carnaval, porque a vida retoma com a chegada da cultura”, explicou Arôxa.
Para homenagear o centenário de Arraes, as mazelas sociais que ele enfrentou foram lembradas na avenida: a seca, as moradias sobre palafitas, as dificuldades dos cortadores de cana, o analfabetismo. Esses temas vieram ao lado de ícones culturais de Pernambuco, como o frevo e o bloco carnavalesco Galo da Madrugada, que mereceu um enorme carro ao fim do desfile.
“É obrigação da escola de samba trazer uma mensagem, apresentar uma proposta, fazer a crítica social”, afirmou Martinho da Vila, autor do enredo e um dos compositores do samba, ao lado da filha Mart’nália, de Arlindo Cruz , André Diniz e Leonel. Martinho encarnava um cangaceiro. O sambista se emocionou do começo ao fim da passagem da escola, da qual é presidente de honra e símbolo maior.
Os filhos do ex-governador, a ministra do Tribunal de Contas da União Ana Arraes e o cineasta Guel Arraes, e o neto Antonio Campos, filho de Ana, desfilaram à frente da Vila. “Esse é o enredo sobre um político que teve compromisso com o povo, que não desistiu nunca, jamais. É preciso lutar por um Brasil democrático. Toda a família está muito satisfeita”, afirmou Ana.
Se o começo do desfile teve tons pálidos, aludindo à seca, à caatinga e ao mangue, a escola foi ganhando cores ao longo da apresentação, quando entraram os programas de educação criados por Arraes e as expressões culturais nordestinas, como o cordel, o xaxado e os repentistas. O carro que representou o Galo da Madrugada, todo colorido, soltava bombas de serpentina e ganhou muitos aplausos do público. Arraes só foi representado ao fim, num boneco de Olinda, ladeado por integrantes vestidos como foliões do Galo da Madrugada.
A bateria veio vestida de Leão do Norte, figura presente na bandeira pernambucana, um tributo à força do povo. Sabrina Sato era a guerreira que defendia esses leões. “Eu represento a coragem e a ousadia da mulher pernambucana. Essa mulher forte. É um enredo lindo, que faz essa união do frevo com o samba.
A Vila é uma escola tradicional que sabe fazer essas misturas muito bem”, contou a apresentadora, que desfilou com grandes curativos nos ombros. Ela ficou machucada no desfile da Gaviões da Fiel, em São Paulo.
“Dizem que na hora a gente não sente. Mentira. Sente, sim. Mas a emoção é tão grande que você segue em frente”, disse Sabrina.
O tom político já havia sido sentido na avenida no domingo, durante o desfile da Mocidade. A escola falou de Dom Quixote de La Mancha e ousou ao comparar os moinhos enfrentados pelo personagem de Miguel de Cervantes aos percalços da vida do brasileiro; entre eles, a corrupção. A comissão de frente fazia alusão ao escândalo na Petrobrás.
Hoje, a São Clemente, a terceira a desfilar, também deve trazer crítica política. A escola vai replicar, ao fim de seu desfile, os panelaços que tomaram o País no ano passado contra o PT e a presidente Dilma Rousseff, com o carro O Manifesto do Palhaço. Seu enredo é “Mais de mil palhaços no salão.” A autora é a carnavalesca Rosa Magalhães.
Além do protesto – a última ala deve se unir à bateria, batendo em panelas -, a São Clemente vai lembrar os caras-pintadas, marcantes no processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Caras-pintadas e palhaços estarão juntos num protesto encenado na avenida.