Vigário Geral: ex-policiais condenados a 59 anos

Marcos D'Paula / AE

Familiares de vítimas da chacina
de Vigário Geral fizeram caminhada
pelo centro do Rio.

Rio de Janeiro – Depois de quase 24 horas de julgamento, os ex-policiais militares Paulo Roberto Alvarenga e José Fernandes Neto, acusados de participar da chacina de Vigário Geral, foram condenados a 59 anos e seis meses de prisão pelo 2.º Tribunal do Júri, no Rio de Janeiro. Eles foram considerados culpados pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e à traição, e tentativa de homicídio.

Ao ler a sentença, o juiz Luiz Noronha Dantas afirmou que os acusados possuem características pessoais e circunstâncias judiciais comuns entre si, e que embora devam ser considerados como primários, demonstraram, na participação dos fatos, ?uma descabida insensibilidade moral, além de um inominável desprezo pela vida, bem como uma absurda crueldade?.

Os defensores públicos Marcelo Machado Fonseca, Nilson Maro de Souza Rodrigues e Darci Burlandi Cardoso, que fizeram a defesa dos dois réus, apresentaram recurso ainda em plenário, logo após a sentença ter sido lida. Segundo eles, que atuaram de luto em razão da greve da categoria, os ex-PMs não teriam participado dos crimes e a decisão dos jurados contraria as provas existentes no processo.

Segundo o Tribunal de Justiça, a apelação vai ser julgada por uma das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio. Se os desembargadores aceitarem a argumentação da Defensoria Pública, a sentença pode ser anulada e um novo julgamento terá que ser realizado.

Essa foi a segunda vez que Paulo Roberto Alvarenga e José Fernandes Neto foram levados a júri popular. Na primeira, em 27 de abril de 1997, Alvarenga foi condenado a 449 anos e oito meses, mas teve a sua pena reduzida para 57 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como a pena foi superior a 20 anos, ele protestou por novo júri. Em 20 de setembro de 2000, José Fernandes Neto foi condenado a 45 anos e, como Alvarenga, recorreu da sentença.

O promotor Paulo Rangel afirmou não ter dúvidas de que os dois ex-PMs são os principais acusados da chacina. Segundo ele, os nomes de Alvarenga e Neto aparecem nas gravações feitas dentro da cadeia e nos depoimentos dos outros acusados.

No processo de Vigário Geral ainda falta ser julgado o réu Leandro Marques da Costa, o ?Bebezão?, que está foragido.

Depoimentos

O primeiro a prestar depoimento foi Paulo Alvarenga. Ele negou a participação nos crimes e disse não conhecer as vítimas, nem saber quem foram os responsáveis pelo crime. Segundo o ex-policial, no dia do crime, 30 de agosto de 1993, ele chegou em casa por volta das 19h30 e só saiu no dia seguinte, para trabalhar, por volta das 8h.

Ele explicou que, no dia da morte dos dois policiais, um dos possíveis motivos da chacina, estava de serviço e que sua viatura foi a primeira a chegar no local do crime. Sendo assim, registrou a ocorrência, aguardou a perícia e a retirada dos corpos. Ainda de acordo com o ex-policial, ele foi ao enterro do sargento Ailton, no Cemitério de Inhaúma, e depois voltou para casa.

Em seu depoimento, Paulo Alvarenga disse que poderia estar sendo acusado pelo crime por sua proximidade profissional com o sargento Ailton. Para justificar o tempo que passou foragido, ele disse que ?não se evadiu quando esteve preso?, tendo sido libertado por alvará de soltura, em 7 de setembro de 2001 e só vindo a saber, em 2002, que a decisão havia sido cassada. Ele disse que não se apresentou de imediato em razão das necessidades materiais pelas quais sua família passava.

Chacina é marco de violência no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro – Na noite de 29 de agosto de 1993, por volta de 23h, cerca de 30 homens, a maioria policiais militares, encapuzados e armados de granadas, fuzis e metralhadoras, invadiram a Favela de Vigário Geral, dando início à maior matança de inocentes da história do estado. No total, 21 pessoas foram assassinadas. Outras quatro ficaram feridas.

Antes mesmo de o dia raiar, o então secretário de Justiça e Polícia Civil, Nilo Batista, já tinha certeza de que havia sido uma ação de policiais conhecidos como ?Cavalos Corredores?, em referência à truculência com que entravam nas favelas. O motivo teria sido uma vingança contra a morte de quatro policiais militares, do 9.º BPM (Rocha Miranda), assassinados em 28 de agosto, durante uma operação irregular na Praça Catolé do Rocha, em Vigário Geral, alguns deles integrantes dos ?Cavalos Corredores?, como o sargento Ailton Benedito Silva.

A invasão à favela teria sido planejada durante o enterro dos policiais. Encapuzados e fortemente armados, os assassinos, divididos em grupos, fecharam os acessos à favela e praticaram a maior chacina da história da cidade. Foram duas horas de tiros e terror. Uma família inteira foi dizimada, inclusive uma jovem de 15 anos, por ter visto o rosto de um dos assassinos.

As suspeitas sobre os policiais começaram logo após a chacina. Uma semana depois, 16 policiais já estavam presos. Nas casas dos PMs, a polícia encontrou munição, capuzes, luvas e toucas do tipo ninja. Foi preso também o informante da polícia Ivan Custódio Barbosa de Lima, que conhecia toda a estrutura do bando, formado por policiais militares e civis. Com medo de morrer, Ivan contou tudo o que sabia sobre seus ex-comparsas, revelando detalhes de vários outros crimes, entre homicídios e extorsões, praticados por eles.

Dos 52 PMs denunciados pelo Ministério Público, apenas sete foram condenados. Dois réus, o policial civil Jonas Lourenço da Silva e o ex-PM Willian Alves, chegaram a ser absolvidos quando da sentença de pronúncia, mas desembargadores da 4.ª Câmara Criminal revogaram a decisão, a pedido dos promotores José Muiño Filho, Marcos Chut e Maurício Assayag.

Ainda na prisão, alguns réus se uniram para tentar provar que eram inocentes. Para tanto, gravaram, escondidos, fitas com depoimentos de outros acusados contando quem havia participado da chacina, como ela fora planejada e como acontecera. Essa nova versão foi sendo confirmada, com os álibis se desfazendo, adulterações em livros de policiais militares descobertas, a mecânica do crime delineada e a participação de outros policiais foi denunciada. Ao mesmo tempo, álibis apresentados pelos réus que se dizem inocentes foram também confirmados.

A partir das revelações gravadas nas fitas, a polícia chegou a outros envolvidos. Mais 19 pessoas foram denunciadas em novo processo, que passou a se chamar Vigário II, sendo 18 como participantes diretos na chacina.

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