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Vidas Secas, 80 anos: Os sertanejos do século 21

O romance Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos (1892-1953), acaba de completar 80 anos de publicação. Ao longo das décadas, a obra tornou-se universal e manteve-se atual. O interior que sofre mergulhado na seca, a falta de oportunidades em um País desigual, as injustiças sociais que se perpetuam e o sonho de imigrar em busca de uma vida melhor permanecem – e não apenas no Brasil. À procura de outras vidas secas, o jornal O Estado de S. Paulo trilhou 450 quilômetros no interior dos Estados de Alagoas e Pernambuco.

O sertão sem nomes de Graciliano é onde se mora sob taipa e, facão a tiracolo, o vaqueiro pisa em ossada de boi. Os sertanejos enganam-se nas contas do patrão e sonham em ter cama de vara. Para comer, aproveitam na panela o papagaio que já morreu de fome. Agora, o sertão é de Pelé e Branca, agricultores, resistentes da seca. De gente que anuncia passagem para viajar para fora, mas se vê obrigada a permanecer. De sertanejos que foram embora, de outros que voltaram. Mas, diga-se, o percurso não é só de seca. Faixas de terra cobriram-se de verde. Às margens de rodovias asfaltadas, casas formam um mar de cisternas e antenas parabólicas, boa parte com Wi-Fi. Nas cidades, ainda muito católicas, há cafeterias gourmet e academias de jiu-jítsu. Com agricultura e pecuária protagonistas da economia, no entanto, a região segue refém das chuvas.

São os personagens que traduzem a atualidade da obra de Graciliano. A vida na roça, a violência, os programas sociais, a baixa escolarização, a gravidez precoce e a questão da terra misturam-se à seca, à falta de oportunidades, às injustiças e ao sonho de imigrar. As histórias também contam como a memória de Graciliano é (ou não) preservada, nos municípios onde ele nasceu, viveu a infância e trabalhou, tanto pela população como pelos governos locais.

Para comentar o legado de Vidas Secas para a literatura, o jornal entrevistou o pesquisador Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano. “Se vivo, seria uma voz que continuaria gritando, ressaltando e colocando em foco as mazelas da vida brasileira, que são muitas e vêm se acentuando”, afirma.

‘Sentido’

Vidas Secas, a obra que consolidou a imagem de Graciliano Ramos como escritor e intelectual, foi publicada no primeiro trimestre de 1938. Oitenta anos e 137 edições depois, o escritor Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano que se tornou pesquisador da vida e da obra do avô na Universidade de São Paulo (USP), afirma que Vidas Secas é muito mais do que um romance regionalista e que classificá-lo dessa forma é diminuir o seu valor.

O que Graciliano não teve a chance de retratar quando escreveu Vidas Secas?

Por ser um profundo conhecedor da região, Graciliano escreveu um texto decisivo. Poucas coisas deixaram de ser abordadas. Com olhar do presente, o texto continua atual: esse Nordeste e esse sertão não mudaram. Tudo que Graciliano falou continua fazendo sentido: a realidade é a mesma.

Muita gente associa o livro a um retrato da seca, e claro que ele tem essa marca, mas você acredita que essa era a questão central para ele?

Classificar Graciliano como regionalista é diminuir o valor da obra do Velho. Vidas Secas é um livro com tema de fundo da migração, da necessidade de sair de um lugar e procurar uma vida melhor, é um drama que acontece em muitos lugares, inclusive na Europa de hoje. Nesse aspecto, a obra continua atual. Como pano de fundo, a seca serviu para que Graciliano pudesse trazer à tona sua preocupação com a opressão do ser humano, com a injustiça de um sistema social que não se preocupa em dar garantias de subsistência à população. O drama da seca perdura.

Qual é a falta que um olhar como o do Graciliano Ramos faz para o Brasil de hoje?

Graciliano, se vivo, seria uma voz que continuaria gritando, ressaltando e colocando em foco as mazelas da vida brasileira, que são muitas e vêm se acentuando. Certamente ele seria muito crítico com o governo atual, com a dificuldade que a Justiça tem de ser justa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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