Brasília – Até mesmo a compra de tênis para carteiros foi alvo do esquema operado pelo ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração dos Correios Maurício Marinho. Gravado por falsos empresários confessando que recolhia dinheiro para o PTB, Marinho também se envolveu numa negociação irregular para tentar repartir entre grandes empresas do setor o fornecimento de 70 mil pares de calçados para os Correios. Empresários confirmaram a negociação comandada por Marinho com aval do então diretor de Administração dos Correios, o ex-deputado do PTB da Bahia Antônio Osório Batista.
A reunião teria ocorrido no fim de abril, no mesmo dia em que Marinho foi gravado pelos falsos empresários. Eles foram recebidos no primeiro andar da sede dos Correios. No 17.º, onde despacha Osório, Marinho recebera pouco antes dirigentes de empresas calçadistas. Segundo dois dos participantes, estavam na reunião diretores da Marluvas Comercial (MG), da Protelyne Calçados (RS) e da Fujiwara Equipamentos de Proteção Individual e da Bracol (SP).
?Perguntaram se quem ganhasse poderia fazer a gentileza de dividir com os outros para que o prazo de entrega fosse menor. Mas não houve pedido para pagar comissão para ninguém. Sempre nos trataram com o maior rigor?, contou Ivacir Tortelli, dono da Protelyne, que participou da reunião.
?A conversa foi para criar uma alternativa porque os Correios estavam há dois anos sem comprar tênis. Ele (Marinho) queria saber se seria possível, após o pregão, cotizar o fornecimento com as demais empresas. Ia consultar o jurídico para ver se poderia fazer isso?, confirmou o diretor comercial da Marluvas, Denilton José da Silva.
O diretor da Marluvas deu um outro detalhe da conversa: ?O diretor (Osório) abriu a reunião. Disse que os Correios estavam precisando comprar os tênis e pediu que chegássemos a um entendimento?.
Depois de dar o recado, Osório, segundo Denilton, saiu da sala e os representantes das empresas ficaram sozinhos com Marinho. As declarações dos empresários confirmam o que Marinho relatou na conversa gravada. Na fita, ele fala da licitação e mostra preocupação em fechar um acordo.
?Vou investir R$ 11 milhões. Como é que vamos fazer? Tenho os quatro principais fornecedores, cadastrados e certificados, há interesse dos quatro. Se eles estão brigando, o preço vai lá para baixo e ninguém sai ganhando nada. (…) Hoje os quatro empresários estão aí em cima (…) Não precisa brigar e se matar. Nós dividimos.Você fica aqui, você fica ali?, diz Marinho, na gravação.
A conduta de Marinho e de Osório é irregular. Segundo a procuradora do Tribunal de Contas da União Cristina Machado, servidores públicos não podem fazer ajuste prévio privilegiando um determinado grupo.
?O servidor tem sempre que zelar pelo interesse da administração. Isso fere o princípio da moralidade na administração pública?, disse.
Negociação atropelada pela Veja
Brasília – A negociação com as empresas aconteceu após o fracasso da segunda tentativa de adquirir os tênis na concorrência 103/2004. Um ano antes outra licitação fora aberta, mas acabou cancelada porque a Protelyne, autora da proposta mais barata, foi desclassificada por não ter apresentado, segundo os Correios, produto de acordo com as especificações do edital. No dia 5 de janeiro deste ano, foi aberto o pregão 103 para oferta de lances. Novamente a Protelyne ofereceu o preço mais baixo: R$ 56,30 cada par de tênis.
Marinho queria fechar o negócio com um valor mais alto, alegando que o preço tinha que se adequar ao mercado de calçados, que era necessário ser ?uma coisa factível?.
?O par de tênis, na nossa avaliação e dos nossos técnicos, é de R$ 65 a R$ 70?, diz Marinho, na conversa gravada. Com os tênis a R$ 70, a compra chegaria a R$ 5 milhões, menos da metade dos R$ 11 milhões que ele citou na conversa com os falsos empresários.
A direção da Bracol nega que tenha participado da reunião, apesar de a Protelyne e a Marluvas informarem que havia representante da empresa paulista no encontro com Marinho. O acordo não chegou a ser fechado. O edital não ficou pronto e a negociação foi atropelada pela divulgação, pela revista Veja, da conversa gravada pelos falsos empresários. A nova concorrência ainda não tem data marcada.