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Urbanismo precisa ouvir pessoas, diz urbanista colombiano

Uma praça do centro de Medellín tem duas grandes esculturas de pássaro: uma intacta e a outra, parcialmente destruída em um ataque à bomba que deixou 29 mortos em 1995. Lado a lado, as peças de Fernando Botero hoje simbolizam a memória do que já foi a cidade mais perigosa do mundo e a renovação vivida nas décadas seguintes. Esse processo de mudança vem acompanhado de grandes projetos urbanos e um dos responsáveis pelo planejamento e gestão deles é Carlos Mario Rodríguez, que trabalhou na Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano de Medellín de 2004 a 2010.

Também professor universitário, o colombiano saiu do setor público há nove anos e hoje é consultor de projetos arquitetônicos e urbanísticos. Ele falou com a reportagem por telefone do Recife, cidade que se inspirou em Medellín para criar projetos em comunidades de baixa renda. Hoje, Rodríguez participa de palestra sobre transformação e inovação, seguida de debate (com inscrições encerradas) com secretários municipais do Recife e de São Paulo, no Insper.

O que é o “urbanismo social”, que alguns associam aos projetos realizados em Medellín nas últimas décadas?

“Urbanismo social” é redundância. Falar em urbanismo é falar de sociedade. Quando falamos de urbanismo social, falamos de operações que são feitas com as pessoas no território, trabalhando com elas. É uma construção coletiva, que pode ser uma biblioteca, um colégio, uma praça, um jardim, uma rua, construídos da perspectiva da população.

Medellín se tornou exemplo. Que mudanças levaram a isso?

É um exercício muito importante em Medellín: de dispor de todas as ferramentas para um território de forma simultânea (são os Projetos Urbanos Integrais), a partir da saúde, da segurança, da educação. Não é um problema só do edifício, da rua, é necessário que arquitetura e urbanismo conversem. Isso se faz com uma metodologia de quatro componentes: institucional, que envolve todos os elementos de governabilidade de um território; e desenvolvimento de programas de fomento, para que as pessoas tenham, de alguma maneira, capacidade de subsistir no meio de um território, com condições melhores. O terceiro componente é o trabalho social que se converte em exercício de corresponsabilidade; finalmente, o desenvolvimento físico e social, com o urbanismo e a arquitetura. É um sistema muito importante, de trabalhar de maneira coletiva. Cada um tem um papel para assumir. O técnico trabalha no componente técnico, os cidadãos trabalham de sua perspectiva, cada um de um jeito.

Por que é tão necessária essa participação da população?

É quem habita o território, quem reconhece os problemas. O território se costura por meio dos olhos da comunidade, que participa do processo desde o início e também na implementação, fazendo projetos de melhoramento. É muito importante porque, no fim, isso cria empoderamento das pessoas, que cuidam mais.

Historicamente, o urbanismo aplicado por governos costuma ouvir a população ou é mais de cima para baixo?

Quase sempre a tradição do urbanismo é de ser o grande planejador de cidades, de cima para baixo, se precisa desconstruir essas linhas do território com as pessoas. O olhar hoje é para a cidade já construída, não para a teórica, como foi Brasília (erguida em uma área sem construções). O urbanismo precisa trabalhar nos bairros, que já estão construídos e em processo de uma ocupação que é muito aleatória.

Esses modelos de Medellín são replicáveis?

Não se pode replicar de maneira literal, cada território tem condições sociais e culturais diferentes. O importante são os quatro elementos, com uma decisão do Estado e um processo de comunicação muito forte. É quase um projeto de acupuntura urbana.

As mudanças ali nas últimas décadas tiveram forte investimento público, até dentro de uma perspectiva de mudança da imagem da cidade. Como transpor isso para outras capitais latinas, que muitas vezes não têm os mesmos recursos?

Não creio que seja uma questão de recursos, mas de uma decisão política, que é muito importante. De colocar todas as ferramentas em um território definido, isso leva a resultados, como a redução da violência. O problema não é de recursos, é de articulação de ações públicas.

No Brasil, muitos prefeitos costumam defender parcerias público-privadas para projetos urbanísticos. É uma solução?

A responsabilidade é dos órgãos públicos. Os serviços gerais de uma cidade se resolvem no setor público. Uma aliança público-privada pode resolver outras coisas, como concessões que dão recursos. Cada um tem as próprias responsabilidades.

O senhor conhece São Paulo? Qual é a sua percepção urbanística da cidade?

Sim, é uma cidade que se expande no horizonte, que se alarga por todo o território. Como Caracas, Bogotá e Cidade do México, que continua crescendo de maneira horizontal e não trabalha sobre cidades compactas. Acaba sendo uma cidade muito custosa, porque necessita de transportes públicos muito complexos, necessita de serviços públicos que atendam à periferia. É uma cidade absolutamente insustentável. São Paulo tem muita diferença entre a riqueza e a pobreza, como uma ferramenta territorial.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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